Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

'Desencanto' que encanta

Celia Johnson e Trevor Howard vivem o casal apaixonado de 'Desencanto', um cult de David Lean | Foto: Divulgação

 

Numa das sequências mais apaixonantes do cult "Folhas de Outono", que terá sessão esta noite no Estação Botafogo, às 18h50, um (futuro) casal da classe operária da Finlândia vai a uma sala de exibição cheia de cartazes de clássicos nas telas, entre os quais o pôster de um drama celebrizado como súmula amor romântico inalcançável. Essa joia é "Desencanto" ("Brief Encounter", 1945).

Ao ser resgatado no mais recente sucesso do finlandês Aki Kaurismäki (com destaque também no streaming, na grade da MUBI), a clássica trama romântica dirigida pelo inglês David Lean (1908-1991) - celebrizado posteriormente por épicos como "Lawrence da Arábia" e "A Ponte do Rio Kwai" - conquistou uma sobrevida sob os holofotes. Diante de toda a badalação assegurada por Kaurismäki, o filme terá projeção no Rio de Janeiro nesta quarta-feira, às 21h, no Estação NET Gávea. Agraciada com o Grande Prêmio do Júri do Festival de Cannes num tempo em que o troféu era a láurea principal do evento (equivalente à Palma de Ouro dada atualmente), a saga amorosa de Lean foi indicado a três Oscars: Melhor Direção, Melhor Roteiro e Melhor Atriz, coroando Celia Johnson.

"O filme de Lean se passa numa estação de comboio onde seus dois personagens centrais, mesmo apaixonados, não podem ficar juntos. Queria que os meus protagonistas do meu novo filme parecessem numa situação parecida, pois parece impossível eles se encontrarem, ainda que se gostem", disse Kaurismäki ao Correio da Manhã em Cannes, onde "Folhas de Outono" foi laureado com o Prêmio do Júri.

Eleito um dos dez maiores filmes da Inglaterra de todos os tempos numa enquete feita em 1999 pelo British Film Institute, "Desencanto" nasceu da peça teatral "Still Life" (1936), de Noël Coward (1899-1873). Em sua trama, Laura Jesson (papel de Celia) é uma mulher casada, de classe média, que abre seu coração para a plateia, deixando sua imaginação fluir como se estivesse a confessar para seu marido a relação que viveu com o médico Alec Harvey (Trevor Howard, numa estonteante atuação). Ela conheceu Harvey numa estação ferroviária, à espera de seu regresso para o lar. Ao longo de uma série de encontros, eles provam do bem-querer, ainda que limitados pelo interdito, pelo fato de ela ser casada.

"Um cineasta da magnitude de David Lean pode assinar épicos grandiosos e obter o mesmo domínio da forma em histórias mais intimistas que tocam fundo na alma, como 'Desencanto', considerado um dos filmes mais românticos do cinema, que faz o espectador mergulhar de cabeça no comovente amor platônico de Laura e Alec", diz a escritora Mariza Gualano, autora do badalado "Para Fellini, Com Amor" e de "Pérolas Brasileiras", com frases do cinema nacional. "Apesar de apaixonada, Laura pensa, 'Essa infelicidade não deve continuar, devo me lembrar disso e me controlar'. Os personagens principais aproveitam ao máximo os closes e diálogos para passar todos os sentimentos que estão vivendo. Lean juntamente com Robert Krasker, diretor de fotografia, dá o tom sombrio da obra. Os efeitos sonoros e a trilha musical são elementos importantes para compor a atmosfera. E tudo começou com um cisco no olho, numa plataforma de trem. Pontes também trazem lembranças. Laura e Alec tiveram alguns encontros nelas. E assim como Francesca e Robert, personagens de Meryl Streep e de Clint Eastwood em 'Pontes de Madison', de 1995. Muita lágrima rola com esses clássicos.

Animada para a sessão de hoje no Estação NET Gávea, para ouvir a trilha sonora de Sergei Rachmaninoff a embalar os quiproquós afetivos narradas por Lean, Mariza atesta:

"Eterno, 'Desencanto' é um filme para ser visto no escurinho do cinema".

O mesmo entusiasmo se nota nas palavras do dramaturgo e roteirista Flávio Marinho ao se lembrar do duo formado por Celia Johnson e Trevor Howard. "Amo 'Brief Encounter'. É uma adaptação intensa e comovente da peça do Noël Coward", elogia o autor de sucessos teatrais como "Abalou Bangu!". "O intimismo da direção de Lean, a clássica trilha e a excelência do elenco fazem deste título um programa imperdível".

 

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