Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Wim Wenders: 'Os meus filmes só ficam bons quando tenho restrições orçamentárias'

'Dias Perfeitos' mostra o cotidiano de um limpador de banheiros públicos em Tóquio e sua forma comovente de encarar a vida | Foto: Divulgação

Ganhador da Palma de Ouro por "Paris, Texas" (1984), o alemão Wim Wenders vinha numa recorrente carreira de indicações ao Oscar de Melhor Documentário nos últimos 25 anos. Foi indicado por "Buena Vista Social Club" (1999), no qual revisita a música cubana. Depois, foi à festa da Academia de Hollywood com "Pina" (2011), sobre a coreógrafa Pina Bausch.

Já em 2015, ele colocou o Brasil na cara do gol, numa direção em dupla com Juliano Salgado em "O Sal da Terra". Sua triagem sobre o trabalho fotográfico e antropológico de Sebastião Salgado deu a ela uma vaga na competição americana.

Mas fazia tempo que o artesão existencialista por trás de pérolas como "Asas do Desejo" (1987) não fazia uma ficção tão boa quanto "Dias Perfeitos" ("Perfect Days"). O curioso é que sua entrada entre os indicados à láurea de Melhor Filme Internacional se dá via Japão e não por veredas germânicas.

É uma produção nipônica, falada em japonês e filmada em Tóquio em 17 dias. Seu protagonista, Koji Yakusho (visto em "Babel"), ganhou o prêmio de Melhor Ator em Cannes, de onde Wenders saiu com a láurea do Júri Ecumênico. O personagem dele: um zelador que limpa privadas públicas, ouve rock em fitas K-7, lê livros e curte a rotina da vida.

"A arquitetura dos banheiros públicos em Tóquio é de uma sofisticação singular. A cidade teve que se refazer com o impacto da pandemia e as pessoas voltaram a esses espaços certas de que há profissionais devotados à sua limpeza, à sua manutenção", disse Wenders ao Correio da Manhã, em Cannes. "Recebi uma proposta para fazer um documentário sobre profissionais como Hirayama, o personagem de Koji no filme. Mas conforme eu fui adentrando naquele mundo, percebi que deveria rodar uma ficção. Os produtores japoneses se assustaram: 'A verba que temos é para um .doc, não rende um longa ficcional'. Fui aí que percebi a rota a tomar. Os meus filmes só ficam bons quando tenho restrições orçamentárias. Não sei filmar com orçamentos grandes. Se você me oferecer uma bolada para rodar uma história, vou baixar para 10% do que me foi ofertado. Não é proselitismo. É que venho de uma escola de cinema independente, de uma prática lá dos anos 1960 e 70 de parcos recursos. É assim que invento".

Wenders saiu muito machucado de "Palermo Shooting" (2008), romance metafísico que criou em tributo às mortes de Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni, ambas em 2007. É uma trama que nunca foi lançada em telona no Brasil. Antes dele, seu trabalho de maior êxito fora da não ficção foi "O Hotel de Um Milhão de Dólares (Prêmio do Júri da Berlinale de 2000), com Mel Gibson. Depois, ele alcançou destaque mediado com "Submersão", que abriu o Festival de San Sebastián, em 2017.

"Existem filmografias que vão e voltam dos holofotes. Cresci numa época em que amávamos um cinema italiano que sumiu. O mesmo posso dizer dos filmes japoneses. Fazer 'Dias Perfeitos' foi uma forma de matar as saudades do tanto que mestres do Japão me deram, na forma de uma história sobre prazeres analógicos que persistem. Talvez eu seja analógico", diz Wenders. "Sou do tempo do LP de vinil e ainda ouço rock'n'roll neles. Sou do tempo em que se ouvia um mesmo LP por semanas. Depois a gente ouvia um LP por dia. Teve um tempo em que, na minha vitrola, rolavam dez LPs da manhã até chegar a noite. O rock salvou a minha vida".

 

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