Antes de o carnaval mostrar suas máscaras, o editor deste diário me disse: "você tem de viajar a Poittiers, França, para entrevistar um dos maiores filósofos de todos os séculos". No dia seguinte, já estava na cidade em que nasceu Michel Foucault. Ele me esperava. Em 15 de outubro deste ano, suas palavras completarão 98 anos e, desde 1979, quando publicou sua "Microfísica do Poder", Foucault, após 44 anos, permanece não compreendido, porque seu pensamento sobre o poder - que segue as linhas sinuosas de Nietzsche - afirma que o poder é presença-e-ausência ao mesmo tempo e no mesmo lugar. Encontrar pessoas é encontrar palavras, e eu as encontrei quando Michel Foucault pensa o poder.
Antes de mais nada, obrigado por receber o Correio da Manhã.
Por nada, é sempre bom receber o Brasil em minha casa.
Do Brasil, o que te atrai mais?
Estive em sua terra em 1965, 1973, 1974, 1975 e em 1976, e digo que terá sido apenas no Brasil e na Tunísia que eu encontrei, entre os estudantes, tanta seriedade e tanta paixão, paixões tão sérias e, o que me encanta mais do que tudo, a avidez absoluta de saber.
E hoje?
Hoje me chama atenção o dualismo político, é um país que não consegue sair da dicotomia pós-64, que é ditadura-liberdade, militarismo-comunismo, Bolsonarismo-Lulismo. Esse dualismo, porém, não representa o poder que ocorre no cotidiano.
Por que não representa?
Há 44 anos, publiquei na França "Microfísica do Poder" e, em suas páginas, falo de um poder que é e que não é ao mesmo tempo, um poder que é, ao mesmo tempo, luz e escuridão, um poder cuja não identidade é identidade. Esse poder é o mesmo de Nietzsche.
Mas não é o de Karl Marx.
Não é. Marx não detalhou a natureza da luta de classe, mas acabamos herdando uma noção muito pobre de luta.
Por quê?
Porque o poder não se reduz ao dualismo simplório entre o bem e o mal. Para sairmos disso, a leitura necessária é Nietzsche, o filósofo do poder, porque, diferente de Marx, não se fechou em uma teoria política. Nietzsche foi muito além disso, porque nos mostrou um poder de natureza neutra.
Mas dizem que o poder não é neutro?
Ignoram, então, o que é neutro.
O que é o neutro?
A própria palavra significa "nem um nem outro", estando entre um-e-outro. Meu amigo Roland Barthes tem um ótimo sobre isso, "O Neutro". Antes de Nietzsche, Platão já tinha apresentado o poder em sua condição neutra.