Lukas Moodysson: 'Os artistas são mais interessantes e divertidos quando estão confusos'
Apresentado à realidade brasileira in loco numa visita ao Distrito Federal, em 2003, o sueco Lukas Moodysson dizia - à época de sua passagem pela América do Sul com o devastador longa-metragem "Lilja 4-ever" - que cinema não era sua maior diversão. Pelo fato de ele ser poeta, a cinefilia nacional, então concentrada no Brasília International Film Festival (BIFF), deu-lhe um desconto, ciente do peso da literatura em seu olhar. Mas nos 21 anos que se seguiram à sua visita, ele jamais desgrudou do audiovisual, com direito a um cult indicado ao Urso de Ouro da Berlinale em seu currículo ("Corações em Conflito", com Gael García Bernal). Passou ainda pela mostra Horizontes de Veneza com "Nós Somos As Melhores!" (2013) e dirigiu a série "Gösta", em 2019. Nesta tarde, ele vai falar de sua obra para o Bergamo Film Meeting (BFM), misto de festival e fórum de debates que nasceu em 1983, na Itália, para celebrar passado, presente e futuro da produção europeia. Integra o evento o filme mais recente do cineasta, "Together 99".
Na entrevista a seguir, Moodysson clama pela inquietude no processo de pensar a imagem.
Qual é a dimensão de nostalgia, de "saudade", palavra típica da língua portuguesa, num filme que revê o passado de forma tão bela como "Tillsammans 99" ("Together 99"), seu longa mais recente, exibido no Festival de Toronto, em 2023?
Lukass Moodysson: Esse é um aspecto em que penso muito. O passado versus o presente. Como lidar com a pessoa que já fomos, as coisas que fizemos e vivemos, o sentimento de perda, o sentimento de alívio por algumas coisas terem desaparecido, o orgulho de algumas coisas, a vergonha de algumas coisas. Interesso-me muito pelo passado. Tenho interesse não apenas pelo meu próprio passado, mas também pela Idade do Bronze ou pela Idade da Pedra. Tenho um machado neolítico na minha secretária. Acredito que é possível viajar no temp. Por exemplo, recentemente vi na televisão, via Youtube, muitos esportes antigos, sobretudo esqui de fundo, dos anos 70 e 80, a que assistia quando era jovem. É fantástico, não é propriamente nostálgico, mas é mais como um fato real, como se fosse transportado no tempo. Muitas vezes não faço ideia de quem ganha a corrida entre os esquiadores, por isso é uma surpresa. Há também um sentido de humor nisso. Acho a palavra "nostalgia" um pouco pesada, triste e demasiado séria. Para mim, viajar no tempo é um pouco mais realista. É agradável e divertido comer exatamente o chocolate de que se gostava quando se era criança.
Onde é que o poeta Moodysson se encontra com o cineasta Moodysson? Como é que a sua poesia afeta o seu cinema? Que temas perseguem mais conscientemente o seu verso e, até certo ponto, a sua prosa?
Tenho a ideia de que quero ter mais estranheza na minha poesia e nos meus filmes, mas também mais comédia. São duas qualidades que nem sempre andam de mãos dadas, por isso é uma luta, mas é isso que torna o processo criativo interessante. Sinto falta de comédia e de riso na maior parte do cinema dito "sério". Por outro lado, falta seriedade na maioria das comédias. Os temas da minha poesia? Não penso muito em termos de temas, mas estou tentando escrever alguns poemas novos neste momento e tento torná-los agressivos como se fossem algo quase punk.
O senhor esteve no Brasil em 2003, no Brasília International Film Festival (BIFF), com "Lilja 4-ever" ("Para Sempre Lilja"). O que mudou na sua estética desde então?
"Lilja 4-ever" não é o meu filme favorito. Prega demasiado. É como se eu, como realizador, estivesse dizendo: o mundo é exatamente assim. Hoje em dia tento não pregar. Os artistas são mais interessantes e mais divertidos quando estão confusos.
Como é o cinema na Escandinávia hoje, em termos de financiamento e produção estética, e como a produção de séries alterou o espaço de liberdade e criação no cinema da Suécia e de seus países vizinhos?
Sou... ou tento ser... um outsider. Tento evitar estar no centro das coisas. Eu me sento na minha casa no campo e escrevo coisas e tento não pensar muito no que as outras pessoas estão a escrever ou a realizar. Falo mais com os meus três cães do que com outros realizadores. Por isso, não sou a pessoa certa para perguntar sobre o cinema sueco ou europeu em geral. Não vejo muitos filmes. Tenho um produtor fantástico, na verdade agora tenho dois, Lars Jönsson e Anna Carlsten, e sem eles nunca conseguiria fazer filmes. Mas parece que está a ficar cada vez mais difícil financiar filmes, especialmente se forem um pouco experimentais ou não convencionais. Acho que hoje não teria conseguido fazer A hole in my heart ou Container. E há demasiadas pessoas a dar opiniões.
O seu cinema é uma espécie de cartografia da solidão e do abandono. O que esses extremos têm de político?
Não tenho a certeza se é político. No passado, eu era mais político. Tento ter cada vez menos opiniões e não acredito em nenhuma ideologia. Eu me interesso pelos seres humanos, pela beleza. Também tenho interesse pela sociedade, mas a um nível mais profundo do que aquele oferecido pelos olhos da política.