Viagens no Tempo costumam inspirar narrativas pautadas pela ciência ou pela magia, mas, no caso de um conto de fadas macabro como "The Island Between Tides", o assombro é o tônus. Não por acaso, o filme chega ao público brasileiro por meio de um dos mais prestigiosos veios de cinema fantástico da América Latina, o Fantaspoa, de Porto Alegre.
É em seu cardápio de 2024, numa sessão às 13h desta terça (16), na Cinemateca Capitólio, na capital gaúcha, que a plateia nacional vai encontrar uma narrativa baseada na peça Mary Rose (1920) de J.M. Barrie (1860-1937), autor de "Peter Pan". Nela, uma jovem atraída por uma melodia misteriosa some nas águas e, ao regressar, encontra um mundo mudado pelo passar dos anos... muitos anos. A direção é da dupla Austin Andrews e Andrew Holmes.
"Gosto do horror existencialista, em especial aquele que expõe o isolamento em paisagens amplas. É daí que vem o desconhecido e, com ele, o medo", diz Andrew, em entrevista via Zoom com o Correio. "O Tempo é a única entidade recorrente que acreditamos ser capazes de administrar.
"Fomos buscar inspiração em Barrie não apenas por gostar de seu trabalho, mas pelo fato de ele dizer que 'nascer é estar preso numa ilha', o que nos dá a dimensão existencial que buscamos, com alguns sustos", diz Austin.
Os dois unem suas cinefilias nessa produção canadense rodada em Prince Rupert, na Columbia Britânica, com Paloma Kwiatkowski (de "Percy Jackson" e "Bates Motel") no papel principal.
"Nessa lógica do tempo, considero 'Interestelar', de Christopher Nolan, um dos filmes mais assustadores que já vi, capaz de me dar mais medo do que Halloween', pois nele, a passagem cronológica não é controlável", diz Andrew, feliz ao ouvir que seu filme evoca a estética de Steven Spielberg em sucessos como "ET, o Extraterrestre" (1982).
"Ele tem uma maneira fantástica, e única, de entreter, e a gente espera um dia chegar lá", diz Austin. 'Inteligência Artificial' é outra história sobre solidão e tempo que eu revejo sempre".
Num domínio pleno das ferramentas da tensão, Austin e Andrew nos mostram uma paisagem silvestre idílica. Nela, Lily (Paloma) é uma menina cercada dos cuidados dos pais que se perde ao seguir uma enigmática sonoridade até uma remota ilha regada pela força das marés. É um chamado que lembra o de "O Flautista Mágico". Depois de imergir, ela retorna na próxima maré baixa. Mas, ao voltar, percebe estar numa realidade distinta onde décadas se passaram e seus entes queridos envelheceram, sem que uma ruga se formasse em sua face. Enquanto o mundo ao seu redor se transformou, Lily permanece imutável, desencadeando uma série de eventos sobrenaturais que desafiam sua compreensão do tempo e da realidade.
"Esse efeito que abordamos abre espaço para que o espectador se intrigue e busque saber o que se passou", explica Andrew, destacando a presença cult do ator Donal Logue, o sargento Harvey Bullock da série "Gotham", no elenco. "Ele é do Canadá e, apesar de seu currículo incrível, topou estar conosco. Por ser um ator na casa dos 50 anos, fazer ele parecer mais jovem, com 30 anos, fica mais fácil para a caracterização".
"É Importante termos ao nosso lado estrelas que busquem novas dimensões para seu trabalho", diz Austin, que destaca o refinamento da engenharia sonora de "The Island Between Tides". "Se acertássemos o equilíbrio sonoro, encontraríamos a medida da tensão, pois a fantasia reside no som. É uma trama sobre pessoas que residem fora do plano do nosso tempo, em outras camadas do real".