Por: Affonso Nunes

Era uma vez a... Maldita!

Logomarca da Rádio Fluminense FM | Foto: Reprodução

Ela esteve presente nos melhores anos de minha juventude, alimentou boa parte da trilha sonora da minha vida e forjou minha educação musical. Mas não foi apenas comigo. Primeira rádio brasileira dedicada exclusivamente ao rock and roll, a Fluminense FM falou a toda juventude brasileira num difícil período da vida do país que vivia os últimos anos da ditadura militar cercada de expectativas, ansiedade e sonhos.

Diretamente de Niterói, a rádio revoucionou costumes, influenciando a juventude no modo de vestir, dançar e se expressar. Apresentou a seu público a fina flor do rock internacional (afinal, aonde se poderia ouvir Led Zeppelin, Deep Purple, Pink Floyd, Lou Reed e Clash num mesmo lugar?), que não dava as caras nas rádios da época, com uma programação democrática (anárquica, talvez) e adotava o arrojado costume de não repetir uma música da programação no mesmo dia. Se constituiu na plataforma de lançamento de toda uma geração de jovens artistas que viriam oxigenar a música brasileira, como Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho, Legião Urbana, Lobão, Titãs e Blitz, entre tantos outros.

A história da Fuminense FM, a Maldita, já foi contada por seu criador e primeiro diretor, o jornalista Luiz Antonio Mello, em seu livro "A Onda Maldita" (1992). Mas a trajetória dessa emissora movida a lendários riffs de guitarra é tão fascinante que não poderia deixar de virar filme.

Entra em cartaz nesta quinta-feira (25) "Aumenta que é Rock'n'Roll", longa protagonizado por Johnny Massaro, com direção de Tomás Portella, roteiro de L.G. Bayão e produção de Renata Almeida Magalhães.

O longa acompanha a saga de um grupo de jovens sonhadores liderados por Luiz Antonio (Massaro) e Samuca (George Sauma): produtores, repórteres e locutores que toparam ir contra o padrão monocórdico das emissoras da época e se desdobraram para manter no ar a primeira rádio brasileira dedicada exclusivamente ao rock e com um time exclusivo de locutoras e apresentadoras, uma ousadia para a época.

O filme passeia pelo contexto histórico da campanha das Diretas Já e pelos bastidores do icônico Rock in Rio de 1985, onde o destino de Luiz Antônio e de sua amada Alice (Marina Provenzzano) é selado.

Com toda sua simbologia de rebeldia e inconformismo, o rock and roll e sua estática entram na história como personagem de peso além de compor a nostálgica trilha sonora do longa de Portella com várias citações.

O elenco também conta com Orã Figueiredo, Silvio Guindane, Flora Diegues, Joana Castro, Clarice Sauma, Luana Valentim, Mag Pastori, Bella Camero, André Dale, Felipe Haiut, Saulo Arcoverde, João Vitor Silva, Cadu Favero e Charles Fricks.

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CRÍTICA / FILME - AUMENTA QUE É ROCK AND ROLL: Sintonia fina de uma época

Luiz Antonio Mello no estúdio da saudosa Fluminense FM | Foto: Reprodução

Equalizado no diapasão da doçura pela montagem eletrificada de Marcelo Moares, "Aumenta Que É Rock'n'roll' é um painel geracional que evoca "The Wonders: O Sonho Não Acabou" (1996), de Tom Hanks, e o esquecido "Febre de Juventude" (1978), de Robert Zemeckis - dois estudos sobre os efeitos da canção numa turma de espinhas na cara.

A fotografia apolínea de André Modugno resgata uma Niterói de fins de ditadura como um cartão postal amarelado de saudade. E o roteiro contagiante de L.G. Bayão revisita aquela cidade numa mirada nostálgica e idílica, a partir da qual ela funciona como um oásis de resistência para a criação de uma cultura alternativa - a cultura roqueira.

Tomas Portella mistura (com sabedoria) soluções narrativas de seus filmes anteriores para mostrar o agito da polis niteroiense de outrora, relacionando-a a um Rio de Janeiro de fins de regime militar.

Ele toma o clima romântico emprestado de seu (brilhante) "Desculpe o Transtorno" (2016) e saca as movimentações frenéticas do thriller "Operações Especiais", que rodou em 2015. Do primeiro, ele bebe da fonte sentimental, de modo a retratar os laços conflituosos de querer e (nem sempre) poder amoroso entre o diretor da Maldita, Luiz Antonio (um Johnny Massaro com jeitão de Adam Sandler), e a locutora Alice (Marina Provenzzano, com ares de Drew Barrymore).

Do segundo, sai um espírito cronista das vicissitudes de um país que, então, sofria quase duas décadas nas mãos do conservadorismo fardado.

Nesse timbre mais taquicárdico de mapeamento dos bastidores das transmissões, há uma sequência antológica na qual Luiz Antonio corre desenfreado para deter um vazamento de som no microfone da rádio, em que a equipe feminina rasga o verbo sobre os homens da emissora. É de quicar de rir.

Impagável é também a cena em que os jovens repórteres Luiz Antonio e Samuca (George Sauma) se separam com um acidente trágico (e inusitado) nas ruas de Niterói em que o próprio Luiz Antonio faz uma ponta interpretando um transeunte a dialogar com os jornalistas. É o passado e o presente batendo ponto nas ondas da Maldita.

Impossível falar de "Aumenta que é Rock and Roll sem citar sua trilha sonora nostálgico-afetiva com direito às músicas que o Brasil aprendeu a ouvir pelas ondas da Fluminense FM.

 

L. G. Bayão: 'Só a prática te garante o equilíbrio para não ser engolido pela onda'

Uma das maiores grifes de roteiro do Brasil, L. G. Bayão assina 'Aumenta Que É Rock'n'roll', cinebiografia da Rádio Fluminense FM | Foto: Divulgação

Divertido em AM, FM, Spotify e sobretudo na tela grande, "Aumenta Que É Rock'n'roll" é uma aula de História sobre cultura pop, dirigida com frescor por Tomas Portella, tendo como foco a rádio Fluminense FM e os feitos transgressores de seu artífice e diretor, o jornalista Luiz Antônio Mello. Sob a batuta dele, gerações de ouvintes aprenderam a amar AC/DC, Led Zeppelin, Dire Straits e toda a onda roqueira nacional, com Paralamas do Sucesso, Legião Urbana e ídolos afins. A aventura de colocar esse experimento no ar, nos fins da ditadura militar, virou filme, com Johnny Massaro no papel principal. A afinação do projeto se deve, e muito, ao trabalho de roteiro de um dos maiores bambas da escrita de filmes no país: L.G. Bayão.

Responsável por títulos de adesão internacional, como "Motorrad", Bayão comeu muito gibi e filme pipoca no café da manhã, o que lhe tira o medo de ser careta. Seu cinema se apoia em procedimentos de investigação dos personagens que cria - ou herda -, buscando dar a eles tridimensionalidade. A gente sofre com Luiz Antônio, não só por sua luta para manter de pé a Maldita (apelido de seu império radiofônico alternativo), como também por seus quiproquós afetivos com a locutora Alice - papel de uma inspirada Marina Provenzzano.

No papo a seguir, Bayão rasga caretices acerca da atividade de quem vive como roteirista, criando uma trilha é autoral no ofício.

De que maneira o espírito da "Sessão da Tarde" dos anos 1980 e 1990 se materializa no "Aumenta Que É Rock'n'Roll"?

L.G. Bayão: Eu cresci vendo aquelas aventuras escapistas da "Sessão da Tarde": "Ruas de Fogo", "O Último Guerreiros das Estrelas"… um pouco disso acaba vindo à tona nos roteiros. No filme da Maldita, acho que o ritmo e o estilo dos diálogos me remetem aos personagens daquele filme do John Carpenter, "Os Aventureiros do Bairro Proibido". Lembra? Ágil, meio cômico… Mas as referências, por mais loucas que sejam, sempre se transformam de imediato quando lançadas na realidade surrealista brasileira - especialmente nos anos 1980, quando vivíamos à beira de uma explosão cultural, social e política. A rádio captou isso, ou foi um reflexo disso, não sei. Acho que os dois.

Como é sintetizar uma época num roteiro painel como esse? Que pesquisa é necessária para isso?

Minha base foi o que vivi quando menino. Os anos 1980 foram minha infância. Tenho certo fascínio por tudo aquilo. A Rádio Fluminense, o Circo Voador, o Asdrubal… Já devo lido um zilhão de livros sobre a época, escutei todas as bandas. Adoro tudo dela. Sinto saudades de coisas que não vivi. O livro do Luiz Antônio Mello, "A Onda Maldita", foi meu livro favorito quando menino. Foi a base de tudo pra mim.

Que rock marcou a sua juventude e que rádio?

Os Beatles e os Ramones foram o início de tudo. Depois vieram as bandas BRock todas: Legião, Blitz, Paralamas… Escutava a Fluminense, claro. Montei uma rádio na escola com amigos. Tocávamos indie rock nos recreios. Lembro com carinho dessa época.

Você é uma grife de escrita de roteiro. Mas como você avalia hoje a profissão "roteirista" no Brasil? Que fragilidades a cercam?

Venho de uma época muito difícil, quase impossível, para quem almejava fazer cinema no Brasil: a era Collor. Então, quando vejo tantas possibilidades, tantas plataformas (cinema, streaming, TV aberta, internet), penso que o mercado abriu muito. Por outro lado, é preciso ser realista quanto à natureza do nosso ofício. É sempre incerto. É arte, né? Até Carlos Drummond de Andrade tinha um emprego. Então aos que almejam uma vida como profissional do audiovisual, um conselho: escrevam sempre. Mesmo que seja só para praticar. É nítida a diferença na qualidade do trabalho daquele que escreve pouco para aquele que não para de escrever. É como surfar: você pode até ficar em pé na prancha, mas só a prática te garante o equilíbrio necessário para não ser engolido pela onda.

Quais são seus próximos projetos?

Escrevi para Amazon um longa baseado nos crimes do Maníaco do Parque. Logo, logo, vamos começar a divulgá-lo. Também estou trabalhando na biografia do Thunderbird, VJ da MTV Brasil. Entre outros projetos, mas não posso divulgar ainda. Vem coisa boa aí!