Entre todos os concorrentes do 77º Festival de Cannes, que começa na próxima terça-feira, o título que mais chama atenção e mais mobiliza apostas é uma produção idealizada há quase quatro décadas para sair do papel e cujo diretor, hoje com 85 anos, tem duas Palmas de Ouro em seu currículo. O cineasta em questão: Francis Ford Coppola. O tal longa-metragem tão esperado: "Megalópolis".
Depois do fenômeno "Oppenheimer", que faturou US$ 972 milhões e conquistou sete Oscars, a indústria do audiovisual anseia por um filme voltado para plateias adultas, com temática de tons polêmicos, que possa faturar muito e alcançar prestígio.
Mas há uma semana, quando as primeiras imagens do experimento de Coppola foram divulgadas, sua superprodução passou a ser encarada como esse potencial sucesso pelo qual Hollywood tanto anseia. Mesmo assim, os estúdios da Meca do cinemão não se mobilizaram para dar apoio ao diretor de 'O Poderoso Chefão" (1972) em seu projeto quase faraônico, orçado em cerca de US$ 120 milhões. Inicialmente, Paul Newman (1925-2008) seria seu protagonista. Depois, falou-se em Kevin Spacey. Acabou que o papel principal ficou com Adam Driver.
No teaser divulgado pela American Zoetrope, a produtora de Coppola, o personagem de Driver caminha sobre o teto de uma construção nababesca e observa os céus de sua cidade até que, prestes a cair, ele consegue parar o tempo com uma palavra de ordem, estalando o dedo para que tudo volte a funcionar. Pelo pouco que se sabe, o tal personagem é Cesar Catilina, um artista com poderes especiais cujo sonho é construir um mundo utópico. Ele vive numa Nova York que passou por um acidente e precisa ser recriada. Mas ele terá como algoz o prefeito Franklyn Cicero, papel dado a Giancarlo Esposito.
Idealizada por Coppola em 1977, esboçada como projeto em 1983 e retomada em 2019, a trama de "Megalópolis" conta com um elenco de peso, que reúne Dustin Hoffman, Jon Voight, Aubrey Plaza, Nathalie Emmanuel, Shia LaBeouf e Talia Shire (irmã do cineasta). As filmagens aconteceram em 2022 e 2023, nos estúdios Trilith, em Atlanta, na Geórgia.
"Já fomos livres. Sinto falta da liberdade. Nos anos 1960 e 70, havia absoluta independência na maneira de se trabalhar com cinema nos EUA, sob a influência da Nouvelle Vague francesa e de mestres como Akira Kurosawa. Hoje, há um controle de algoritmos", contou Coppola ao Correio da Manhã ao ser homenageado em Tribeca, em 2019. "Fazíamos filmes de arte, sem a intervenção dos estúdios, sob uma ótica personalíssima, por vezes, experimental, que ousavam se posicionar na contramão da linguagem clássica americana. A linguagem que nós buscamos instaurar nos tempos de 'O Poderoso chefão' não seguia padrões. Naquela época, nossos filmes ensinaram o cinema a encontrar novas maneiras de expressar humanidade, nas formas mais distintas, sem confiar em muletas mercadológicas que hoje cansam plateias".
Há 50 anos, Coppola saiu de Cannes com a Palma dourada por "A Conversação", com Gene Hackman. Cinco anos depois, voltaria a conquistar a láurea, em Cannes, com "Apocalypse Now". Se ganhar agora, será o único diretor a ter três troféus da Croisette no currículo.
Fã de diretores mais jovens, porém já cinquentões, como Alexander Payne e Wes Anderson, Coppola vai encontrar uma seleção de peso em Cannes, incluindo o cearense Karim Aïnouz, no páreo com "Motel Destino". Mas ele entra em circuito com fé na força de Cesar (Driver) e do mundo que criou inspirado pela tragédia do 11 de Setembro.
"Minhas narrativas são sempre dedicadas a figuras marginalizadas, com foco em pessoas que estão alienadas em relação aos limites do mundo. É a paixão que move os personagens que me interessa. Passei por muitos gêneros investigando a condição humana", disse Coppola na Comic-Con, em 2011, propondo uma reflexão otimista sobre o papel da internet e das vitrines digitais para o cinema. "A evolução que essas novas ferramentas estão causando simbolizam um capítulo novo para a história do audiovisual que está sendo escrito agora. Pelas vias do digital, o cinema galgar novas alturas, algumas antes inimagináveis. A questão é saber se manter livre".