Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

O alvo: Donald Trump

'The Apprentice' (O Aprendiz) se concentra na ascenção econômica de Donald Trump entre os anos 1980 e 1990 | Foto: Divulgação

Donald Trump deve estar espumando de raiva contra o Festival de Cannes ao checar o quanto o filme "The Apprentice" está sendo bem recebido na Europa, a ponto de qualificar Sebastian Stan como favorito ao prêmio de Melhor Ator. O longa-metragem é uma cinebiografia não autorizada do ex-presidente estadunidense, que sonha retornar à Casa Branca. Quem tem dúvidas sobre os ditames morais do empresário e outrora estadista tenderá a não apoiá-lo depois de assistir ao retrato de sua juventude que o diretor Ali Abbasi (de "Holy Spider") produziu, tendo Stan no papel central.

"Não é um filme sobre Trump, mas sim um filme sobre o sistema, sobre como o sistema funciona e como o poder se articula com ele. A ideia de que os Estados Unidos estão divididos é uma ficção, pois as pessoas que parecem estar em lados opostos frequentam as mesmas festas. Acho que (o escritor) Kurt Vonnegut definiu bem a situação ao dizer: 'Na América só existem dois partidos: os vencedores e os derrotados'. Esse é o esquema", disse Abbasi, um iranino criado em terras escandinavas que chamou a atenção da crítica com o thriller "Border" (2018). "Não sei se Trump vai desgostar do nosso filme. Talvez ele se surpreenda".

Para um artista que acredita não ser otimista, Abbasi anda confiante demais na boa vontade de Trump, uma vez que "The Apprentice" devasta as supostas virtudes que seu personagem central poderia ter. O roteiro é centrado no processo de amadurecimento de Donald T entre os anos 1970 e a década de 1980 a partir da relação de aprendizado que ele estabelece com o poderoso advogado Roy Cohn, vivido por Jeremy Strong (da série "Succession"). Roy vira um mentor que ensina a seu pupilo as manhas sobre como vencer nos negócios no apogeu do capitalismo consumista. A Trump Tower é o primeiro dos acertos de seu "aluno" que, pouco a pouco, trai a confiança do mestre. Desrespeita ainda sua mulher, Ivana (Maria Bakalova), submetendo-a a uma violência sexual. Por isso (e mais um pouco), o comitê Trump quer processar o filme. Mas Abbasi não teme represálias.

"Nossa ideia é lançar o filme em setembro, em meio à campanha eleitoral. As eleições serão o nosso marketing", disse o cineasta, que arranca de Stan uma atuação magistral.

Conhecido na seara pop de Hollywood pelo papel do super-herói Soldado Invernal, da Marvel, ele ganhou o Urso de Prata de Berlim, em fevereiro, por "A Different Man". Tem tudo para sair da Croisette laureado também.

"Nossa esperança é que as pessoas vejam o filme", disse Stan ao Correio da Manhã.

Entre os concorrentes à Palma de Ouro, "The Apprentice" vem logo atrás de "Emilia Pérez", de Jacques Audiard, tratado como favorito pela excelência de suas coreografias e a contundência de seu debate contra a transfobia. Na trama, um líder de um cartel do tráfico no México quer transicionar de gênero e pede ajuda a uma advogada - vivida por Zoe Saldaña, de "Avatar" - a fim de mudar de vida e virar Emilia (papel de Karla Sofía Gascón). O terceiro dos competidores a ter fôlego para prêmios é "Megalópolis", de Francis Ford Coppola, que dividiu opiniões, mas dá uma aula de poesia ao narrar a luta de um arquiteto (Adam Driver) para criar a cidade perfeita.