Processo de imersão na floresta, no coração do Amazonas, "A Queda do Céu" se ramifica nas retinas de Cannes desde domingo, quando fez sua estreia mundial na Quinzena de Cineastas levando à França um recorte do Brasil nas raias do misticismo. Feito em colaboração com o povo indígena ianomâmi, o longa-metragem de Gabriela Carneiro da Cunha e Eryk Rocha segue o líder e xamã Davi Kopenawa enquanto ele luta para devolver o equilíbrio à sua comunidade entre rituais e aforismos filosóficos.
A exploração madeireira ilegal, a mineração de ouro e a mistura mortal de epidemias que as intrusões do garimpo e de outras práticas de predatismo contra a selva são tematizados na plenária que Kopenawa cria numa forma de reza. A contundência de suas reflexões ampliou a adesão da Croisette à produção, que pode levar a láurea de júri popular de sua mostra em Cannes e concorre ainda ao troféu L'Oeil d'Or, dado a narrativas de não ficção.
"Documentário e ficção se entrelaçam aqui numa mesma chave, numa encruzilhada, pois a linguagem dos Ianomâmi não faz as distinções que fazemos. Ela entrelaça os saberes", diz Gabriela, uma atriz premiada que se aventurou a filmar o livro "A Queda do Céu", escrito por Kopenawa e Bruce Albert, após ser dragada pela leitura dele. "Existe performatividade no Davi e no seu povo, que tem um compromisso com a beleza. Por isso o filme tem circularidade".
Seu companheiro, Eryk, foi premiado em Cannes em 2016 com a láurea Olho de Ouro pelo .doc "Cinema Novo", no qual passava em revista a obra da geração responsável por modernizar o audiovisual no país - e da qual fazia parte seu pai, Glauber Rocha (1939-1981).