Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã 

Iago Xavier, um achado do Ceará

Iago em cena com seu antagonista, o experiente Fábio Assunção, no elogiado 'Motel Destino', longa lançado pelo cearense Karim Aïnouz no Festival de Cannes | Foto: Divulgação

Um dos saldos mais positivos (para o Brasil) da passagem de "Motel Destino" pela competição de Cannes, na semana passada, foi a revelação de uma nova estrela: Iago Xavier. Selecionado num teste com quase 500 candidatos, o cearense de 24 anos, egresso do bairro de Pirambú, Fortaleza, atraiu holofotes do planisfério cinéfilo em massa em sua passagem pela Croisette no thriller erótico de Karim Aïnouz.

A força de sua atuação é galvanizada pela parceria com Nataly Rocha e Fábio Assunção, com quem forma um triângulo de prazer e de fúria.

"É algo gigante para quem é do Ceará ver o seu estado na tela de Cannes, e é também uma responsabilidade. Comecei a fazer teatro com 17 anos e quando entrei no teste para o filme não acreditava que conseguiria passar. A gente sempre duvida, né? Mas é bonito poder fazer parte de trabalhos que se comunicam com muitas pessoas", diz Iago ao Correio da Manhã.

Tem sempre areia nas camas do Motel Destino, hospedaria para amores fugazes localizada à beira de estrada numa praia do Ceará. É Dayana (papel de Nataly) que mantém a organização dos quartos. Ela ri quando fica nervosa. Ri num desatino quando o perigo se aproxima, mas sabe se zangar com clientes que inventam desculpas, fazem orgias ou inventam motivos para não pagar. Pensou que esse era o caso de Heraldo (personagem de Iago) quando o rapaz alegou ter sido roubado pela moça com quem passou a noite, antes de adormecer. Mas o sujeito falava a verdade. Não toda. Ele não contou, por exemplo, que está jurado de morte e que acabou de ter seu irmão assassinado. Ia matar um francês que mora na região, a mando de sua chefe, numa organização criminosa, mas negou fogo, ou melhor, atrasou-se para a missão - o que deu ruim... muito ruim. Mas Dayana se encanta por ele e tenta disfarçar o desejo que sente de seu companheiro (e misto de chefe), Elias (papel que pode dar a Fábio Assunção uma consagração há muito merecida na telona).

"Heraldo é uma pessoa injustiçada, com um destino cruel, desamparado de amor. Vejo nele o peso das novas gerações que olham para as pessoas de gerações anteriores com uma cobrança de que elas possam resolver tudo", diz Iago.

A vontade que Dayana tem de se livrar desse Elias, um homem que só lhe trata bem quando quer chamego, é grande. Mas ela sabe quem tem direito a um percentual alto no faturamento do Destino, pois, afinal, trabalhou para isso. O problema é como tirar Elias do jogo.

Até esse questionamento vira à tona, Dayana já arrebatou a plateia do novo filme de Karim Aïnouz, exibido em competição no 77º Festival de Cannes, graças ao desempenho inquieto e cativante de sua intérprete, Nataly. Seu modo franco de falar a encaixa num rol de personagens nacionais que se expressam sem filtros, sendo direta e cortante. Igualmente arrebatador é o desempenho de Igor como Heraldo, um sonhador que anseia pela chance de ter sua oficina mecânica em São Paulo, deixando a rotina cearense para trás. Já Elias só pensa em ampliar seu motel. Vai para Fortaleza comprar brinquedinhos eróticos e pensa em obras para melhorar o atendimento. Ele só não pensa no bem-estar de Dayana. Nem é capaz de imaginar a trama digna de um filme dos Irmãos Coen (como "Gosto de Sangue" ou "Fargo") que se desenha ao seu redor.

"Karim é um cineasta com muita generosidade, com muita escuta para as opiniões da equipe e do elenco", diz Iago, que se expressa ainda na dança, no desenho e sobretudo na música. "Eu tenho um coletivo de reggae chamado Piraroots, que a gente coloca sempre na praça pra todo mundo curtir. Gosto de saber que posso ser um artista plural, que pode trabalhar em muitas frentes e levar minha cidade, meu bairro, meu estado até elas".