Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Melina Dalboni: 'Há muitos modos de roteirizar Clarice'

Melina Dalboni | Foto: Divulgação

Tudo num processo criativo caudaloso como o do longa-metragem "A Paixão Segundo G.H." - aplaudido com furor no Festival de Roterdã e premiado no Bafici, em Buenos Aires - passa pelo texto, no caso a prosa de Clarice Lipector (1920-1977). Quem aplicou conceitos técnicos da arte de roteirizar naquele corpo indomável foi Melina Dalboni, amadurecendo a parceira criativa longa que vem estabelecendo com o realizador Luiz Fernando Carvalho em diferentes frentes do audiovisual. Chegou a escrever um livro sobre esse processo, chamado "Diário de um Filme" (Rocco), que aborda sua entrada no universo lispectoriano e sua troca com a atriz Maria Fernanda Cândido.

Nesta quarta-feira (5), ela, o cineasta e a estrela vão estar no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), às 15h30, para participar do Clube da Leitura, numa conversa mediada pela crítica literária, professora e especialista em Clarice Nádia Batella Gotlib.

Na entrevista a seguir, Melina explica como é troca com um dos diretores mais ousados da América Latina, imortalizado por "Lavoura Arcaica" (2001), e esmiúça o caminho para escrever cinema.

Como é sintetizar G.H. numa escrita de roteiro? Como roteirizar Clarice?

Melina Dalboni: Há muitos modos de roteirizar Clarice, mas no caso desse filme e da proposta artística do Luiz Fernando, o desafio era ainda mais complexo, pois deveríamos trabalhar com a imanência, um conceito do próprio romance, de ficar naquilo que é, sem mudar ou criar uma só palavra. É uma proposta de encontrar a síntese do romance e buscar imagens e significados nas entrelinhas. A estrutura narrativa do filme parte do que chamamos de três vozes de G.H. - a narradora, a que vive a ação no quarto de empregada e a das memórias anteriores - para criar um diálogo entre estas três mulheres (personagens) que existem em uma só mulher (G.H.). Essa estrutura narrativa influenciou muitas outras decisões artísticas, como os ambientes que estas "personagens" ocupam, os figurinos que estas "personagens" vestem, o corpo e os estados destas "personagens" e o próprio desenho de som.

Como funciona o processo de troca com Luiz Fernando Carvalho na escrita do filme e, depois, no convívio do set? De que maneira foi o seu trabalho com a atriz Maria Fernanda Cândido, se é que teve contato direto com ela?

Minha parceria com o Luiz Fernando se deu durante todo o processo do filme, desde os estudos, passando pelo set até a montagem, onde criamos o roteiro final, o qual prefiro chamar de texto final. Como o processo proposto pelo Luiz Fernando é colaborativo, em que todos atuam em várias áreas, meu trabalho com a Maria Fernanda também foi muito próximo e intenso a partir do momento que ela chegou ao Rio de Janeiro para as filmagens. Nós duas estudávamos o texto e as falas dela. No set, permaneci ao lado dela e do Luiz Fernando tanto na supervisão do texto, para que fosse respeitada cada palavra, e nas indicações das cenas e estados.

Como começou e como se desenvolveu sua parceria com Luiz Fernando Carvalho e como você avalia o olhar dele sobre o audiovisual?

Vejo minha parceria com o Luiz Fernando como um encontro artístico que me encoraja e desafia como criadora - não só a mim, mas a todos seus colaboradores, e isso inclui os atores, que, em seus projetos, se tornam coautores. Nós trabalhamos juntos há 12 anos, o que nos deu, em "G.H.", a confiança e uma compreensão do processo criativo e coletivo que ele propõe. Nós nos conhecemos em 2012, quando eu o convidei para criar narrativas fotográficas para o jornal onde eu trabalhava em projetos que chamo de jornalismo criativo. São projetos em que a notícia era a própria produção e através da qual transformávamos as páginas do jornal em plataforma artística. Depois, fizemos juntos alguns livros de outros projetos dele. Em seguida, trabalhei no acervo dos processos criativos do diretor para criar seu site oficial (www.luizfernandocarvalho.com) e essa visão global foi uma escola sobre o audiovisual que ele propõe, um projeto de país: autoral, plural, transversal no diálogo entre diferentes linguagens artísticas, rebelde em relação às regras do mercado e da produção audiovisual, com a missão de formação e educação. A partir de 2017, meu desejo de mergulhar ainda mais radicalmente na criação se acentuou, e a escrita e o roteiro foram caminhos naturais.

Que novos roteiros você tem pela frente?

Estou rodando um documentário sobre um grupo de presos políticos que fizeram 32 dias de greve de fome em prol da anistia, em que assino roteiro e direção com a Raquel Couto. Trabalho ainda no projeto de duas outras séries, uma documental e outra de ficção.