Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Universo roseano é contemporâneo

Diadorim (Luisa Arraes) e Riobaldo (Caio Blat) no Grande Sertão distópico de Guel | Foto: Divulgação

Chegou "Grande Sertão: Veredas" versão distopia. Em meio às comemorações dos 20 anos de seu longa-metragem de maior sucesso pop ("O Homem Que Copiava"), o gaúcho Jorge Furtado viu seu nome reverberar na Estônia, nos créditos de roteiro do novo longa-metragem de seu parceiro mais recorrente desde os anos 1990, o pernambucano Guel Arraes.

O filme fez parte da seleção do Tallin Black Nights Film Festival, na categoria Critics' Picks. A projeção do filme em telas estonianas contou com a presença do produtor Manoel Rangel, da diretora de 2ª unidade e produtora artística Flávia Lacerda e do ator Luis Miranda, que vive o chefe de uma polícia não muito honesta, chamado Zé Bedelo.

Essa nova imersão do audiovisual no corolário estético de Guimarães Rosa (1908-1967) é produzida pela Paranoïd Filmes, numa coprodução Globo Filmes, a ser lançada comercialmente em maio, via Paris Filmes. Também diretores, Caio Blat e Luisa Arraes (filha do cineasta) assumem os papéis centrais, vivendo Riobaldo e Diadorim.

"Eu e o Guel falamos de 'Grande Sertão' há muito tempo e pensávamos no desafio de fazer o filme. Quando ele se concretizou, a gente estabeleceu dois princípios que acho que nunca foram questionados", contou Furtado ao Correio da Manhã, na época de Tallin.

Lá fora, até hoje, ele sempre é lembrado pelo sucesso mundial de "Ilha das Flores", premiado na Berlinale em 1990. "Foram desafios autoimpostos que nós cumprimos à risca. O primeiro era trazer o filme para hoje, trazer a história para o tempo atual ou para um futuro próximo. Fazia sentido falar dessa história agora, mostrando o quanto ela é atual nesse Brasil tão violento, de tanta guerra em todos os lugares, de mortes, onde a questão do Bem e do Mal está muito presente. As reflexões filosóficas do Riobaldo são muito atuais. A segunda tarefa autoimposta foi respeitar ao máximo possível o texto do livro, as palavras do Guimarães Rosa. Esses dias fiz uma conta: por causa do trabalho, fiz 40 adaptações de livros para TV ou cinema. 'Grande Sertão' é a de número 40. Garanto que, de todas elas, é a mais fiel", diz Furtado.

Adaptado para a televisão por Walter Avancini (1935-2001) em 1985, com Tony Ramos e Bruna Lombardi, "Grande Sertão: Veredas" foi publicado em 1956, pela editora José Olympio, e virou um marco da reinvenção da língua portuguesa a partir da incorporação da fala coloquial dos sertanejos de Minas Gerais - estado natal do escritor.

Apoiado num elenco estelar, que inclui Mariana Nunes, Luellem de Castro, Rodrigo Lombardi (magistral em cena, como Joca Ramiro), Eduardo Sterblitch, o já citado Luis Miranda, o roteiro transpõe o texto de Rosa para uma realidade digna de "Mad Max". Nele, encontramos o universo da violência do chamado "banditismo social" noutro território, o da periferia urbana. O tempo histórico da narrativa parece indeterminado, mas seu tom é épico, e segue a trajetória de Riobaldo, professor que ingressou no bando por amor a Diadorim.

"A gente trabalhou muito para contar essa história", orgulha-se Furtado. "Espero que as pessoas queiram ver o filme na telona e espero que, a partir dele, queiram ler o livro, que é tão comentado e, infelizmente, não muito lido".