Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Tela ainda quente para Will Smith

'Bad Boys Até o Fim' pode se tornar a bilheteria do ano, apoiado no carisma dupla formada por Martin Lawrence e Will Smith desde o início da popular franquia | Foto: Divulgação

 

Num ano de arrecadações pífias se comparadas às demandas históricas de Hollywood, sem um filme sequer na marca do bilhão, "Bad Boys: Até o Fim" ("Bad Boys: Ride or Die") pode virar o jogo e se tornar o faturamento mais alto do ano. Esse posto, até agora pertence à "Duna: Parte II", com US$ 711 milhões de receita. Mas o novo filme da franquia fundada em 1995 pode dar uma guinada nos números dos exibidores, graças ao carisma de Will Smith. Sua imagem será posta à prova a partir deste fim de semana.

Com destaque no menu da Apple TV com "Emancipation", no papel de um escravizado em fuga, Will(ard Carroll) Smith (II) dividiu opiniões quando retaliou com um tapa na cara a piada humilhante feita por Chris Rock com sua mulher, Jada Pinkett-Smith, na festa do Oscar de 2022. Alguns pediram seu cancelamento. Outros aplaudiram seu instinto de proteger sua companheira.

Controvérsias à parte, sua carreira seguiu, ele conquistou uma estatueta por "King Richard: Criando Campeãs", e, nesse tempo, um dos filmes mais importantes de sua trajetória profissional manteve-se ativo nas plataformas de streaming: "Bad Boys Para Sempre" ("Bad Boys For Life"). Orçada em US$ 90 milhões e consagrada como o maior sucesso de bilheteria de 2020, antes do lockdown decretado em função da covid-19, a produção pagou as contas de Hollywood e deu um troco. Pode ser vista hoje na Amazon Prime e no YouTube, enquanto os dois filmes anteriores da saga estão na MAX. Esta terceira parte das aventuras de Marcus Burnett (Martin Lawrence) e Mike Lowry (Smith) teve uma arrecadação estimada em US$ 426,5 milhões. Neste momento, seus realizadores, Adil El Arbi e Bilall Fallah, purgam com a delicada decisão do grupo Discovery - Warner de suspender a estreia de "Batgirl", no circuito e na já citada Max. Mas são eles que assinam "Até o Fim", no qual Bunnett e Lowry caem numa acusação de corrupção envolvendo seu chefe, o Capitão Howard (Joe Pantoliano).

Para entender o potencial filmaço que vem chegando, vale rever a parte 3, em streaming.

Por demandas familiares, após a chegada de um netinho, o detetive Marcus Burnett resolve se aposentar, sem levar em consideração a necessidade que seu parceiro de distintivo (e de fé), Mike Lowry, tem de sua presença, indo se aboletar no sofá de sua casa, para ver telenovelas. Na modorra do lar, ele quebra um ventilador, queima o disjuntor de luz e leve um bebê para as mais inapropriadas situações, demonstrando sua inaptidão para ser avó. Nada mais corriqueiro e demasiadamente humano, sempre atento aos folhetins de sua TV. "Bad Boys For Life", que estreou nos EUA em 17 de janeiro de 2020 - com um faturamento de US$ 112 milhões, arrecadado em apenas três dias, lá e em um punhado de países - vibra nessa toada, a da vida como ela é… ou como a teledramaturgia nos fez crer que ela seja. Burnett dá a Martin Lawrence um espaço pra brincar de Jack Lemmon. Ele é gente como a gente, ele analisa as coisas simples (outras nem tanto) da vida, enquanto tenta levar uma rotina de paz. Mesmo seu companheiro de armas, Lowry - um personagem que devolve ao cinquentão Willard Carroll "Will" Smith Jr. um viço apolíneo há muito perdido - é engolfado por essa marola de "deixa a vida me levar".

Só que pra ele é mais difícil, uma vez que há um assassino em seus calcanhares neste terceiro tomo da franquia criada por Michael Bay ("A Rocha") em 1995, e hoje (bem) confiada a Adil El Arbi e Bilall Fallah. É, no mínimo, avassalador o modo como eles refrescam uma grife que já soma um quarto de século sobre os ombros, não apenas pelo combustível de adrenalina em seu sangue, mas por seguirem uma marcha oposta ao politicamente correto e castrações afins. E é, ainda, uma narrativa de afirmação e inclusão, essencial a um tempo em que as lutas raciais nos EUA (e no mundo) elevam cada vez mais suas vozes (com toda a razão) contra a opressão e as práticas sectárias. Vale lembrar que a (hoje) trilogia nasceu no torvelinho histórico dos protestos contra o espancamento do operário Rodney King, pela Polícia de LA, em 1991. O episódio, somado a reflexões inerentes a I Guerra do Iraque, fizeram da correção política uma filosofia, que, atualmente, costuma ser empregada nem sempre para a meta que almejava: a integração das gentes. Mas "Bad Boys Para Sempre" toca no bloco do humanismo.

Em meados dos anos 1990, quando Bay dirigiu o primeiro longa com Burnett e Lowry - orçado em US$ 19 milhões o projeto faturou US$ 141 milhões -, saindo da condição de "realizador de videoclipes" para o posto de "promessa da direção", a jornalista brasileira Ana Maria Bahiana publicou um ensaio analítico riquíssimo sobre o contexto industrial e social do projeto. Ela dizia que Smith e Lawrence chegavam para dar continuidade a um legado heroico descolado aberto pelo já citado Eddie Murphy, que tinha a função de dar a plateias negras um herói com os quais elas se identificassem diretamente, sem passar por um arquétipo WASP. Murphy, a quem os Oscars ignoraram em seu magistral desempenho em "Meu Nome É Dolemite" (2019), foi a gênese do que os "Bad Boys", a marca, virou: ou seja, uma inspiração para novos espectadores. Era uma porta aberta para novos talentos afrodescendentes e também para latinos hispânicos. E, aqui, na constante referência do longa de Adil e Billal ao espírito folhetinesco das novelas, a latinidade ganha múltiplos corpos, olhares e brilhantismos, como é o caso da mexicana Kate Del Castillo (de "A Rainha do Sul"), em memorável participação como a vilã Isabel Aretas; ou como é a situação do matador que espreita Lowry, Armando, vivido pelo inglês com DNA das Guianas Jacob Scipio; ou ainda a situação de Paola Nuñez, também do México, que se desenha como "o" achado do longa, no papel da policial Rita.

Na cópia dublada em português de "Até o Fim", destaca-se o desempenho de Mauro Ramos como a voz nacional de Lawrence enquanto Márcio Simões empresta o gogó a Smith.