Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Alvaro Campos: 'Aumenta-se ainda mais a aversãoao risco'

O cineasta Alvaro Campos | Foto: Divulgação

Numa sessão por dia, sempre às 17h30, no Estação NET Rio, "Mundo Novo" vem dando uma aula de geopolítica imperdível ao circuito exibidor carioca. Classificado ao fim de sua projeção na Première Brasil como "uma mistura de Éric Rohmer com Milton Santos", a produção foi filmada com um orçamento equivalente ao preço de um carro. Mas, na arte, custo não é documento.

Mesmo com todas as dificuldades que teve para sair do papel, o longa-metragem foi encarado como "a" descoberta da seleção nacional competitiva do Festival do Rio de 2021, do qual saiu com dois troféus. Ganhou o Redentor de melhor atriz, que coroou a estupenda atuação de Tati Villela, e com o de melhor roteiro, confiado a seu elenco e a seu realizador, Alvaro Campos. Ele partiu da premissa de entender o que sobrou do RJ com a covid-19, a partir de uma mirada P&B.

O diretor e quadrinista é o realizador dos filmes "Altas Expectativas", com Pedro Antônio Paes, e do nevrálgico .doc "Tá Rindo De Quê? - Humor e Ditadura". É também um dos autores da HQ "O Outro Lado da Bola". No feérico "Mundo Novo", ele realizou uma autopsia em corpo vivo de sua cidade. A trama: no aniversário de um ano da pandemia, a advogada Conceição, ou Cons (Tati Villela, um achado), e o grafiteiro Presto (Nino Batista), um casal inter-racial, vão até a casa de Charles (Kadu Garcia), irmão de Presto, para pedir sua assinatura como fiador na compra financiada do apartamento no Leblon que ancora o sonho de futuro do casal. Mas o pedido se mostra bem mais complexo do que conseguir uma simples assinatura. Igualmente complexa e rica é a narrativa que Alvaro criou. Por isso, ela precisa ser vista na telona, como ele explica a seguir.

Qual é o Rio de Janeiro que seu filme retrata e que Brasil ele reflete?

Alvaro Campos: Os 2,5 km ou 9 minutos entre Vidigal e Leblon, sob o ponto de vista de quem anda nas duas direções. Isso reflete o Brasil que se move entre periferia e centro, retratando quem de fato dá corpo ao nosso país caótico e plural, e que pode mapear com facilidade a hipocrisia dos privilegiados que insistem em ver as zonas nobres como o todo do país.

Como foi o processo de criação com o elenco?

Primeiro se deu online, depois no set, com uma liberdade extrema para o elenco se colocar, sob a atmosfera de quem ninguém ali era professor ou autoridade em nenhum tema, mas de quem está vivendo questões reais. Mais do que dar respostas, a gente queria fazer perguntas sinceras. Da experiência de todos saíram cenas sinceras, e não discursos, que ecoam não só no público mas na gente mesmo. Depois de cada sessão, eu e o elenco ainda debatemos sem parar as cenas. O filme é uma obra aberta até pra gente.

Por que a demora na estreia e o que ela reflete sobre o lugar do cinema independente no Brasil?

A demora se deu por essa dicotomia maluca se estamos na prática produzindo pras salas de cinema ou pro streaming. Filmes independentes autorais vão para o mundo à procura do seu público, mas a lógica do mercado hoje impõe a criaço endereçada para um consumidor muito bem delimitado por algoritmos. Isso é péssimo para a criatividade, para originalidade, para a experimentação, e acabam por esvaziar e/ou restringir a chegada de filmes não rotuláveis ao cinema, porque aumenta-se ainda mais a aversão ao risco financeiro que a tela de cinema representa. Nesse contexto, é fundamental a regulação que tramita hoje na câmara, não só para garantir o investimento em conteúdo nacional, mas para pactuar que a chegada na sala de cinema continue sendo uma etapa fundamental do processo de exibição.

Que roteiros você fez desde então e quais estão por vir?

De "Mundo Novo" pra cá pude escrever a série "Senna", pro Netflix, e a série "Jogo Cruzado", pra Disney/Star . Em paralelo, escrevi meu próximo longa, "Lídia", que está na fase de captação de recursos.