Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Alê Abreu: 'Os filmes são parte do que expressamospara o mundo'

Diretor do premiado 'O Menino e o Mundo', que conquistou o Festival de Annency, o animador Alê abreu fala com exclusividade ao Correio de sua estética Página 10 | Foto: Leo Lara/Divulgação

Ao assumir uma perspectiva histórica sobre a produção de animação no país como seu foco, a CineOP - Mostra de Cinema Ouro Preto, que realiza sua 19ª edição dos dias 19 a 24 deste mês, decidiu prestar sua homenagem anual a um realizador que levou o Brasil para a marca do Oscar. Com o lúdico "O Menino e o Mundo", Alê Abreu fez Hollywood reverenciar a forma como o Brasil anima.

Ao comemorar os dez anos da vitória de seu longa-metragem mais famoso no Festival de Annecy (a Cannes das animações), o diretor paulista de 53 anos passa em revista as preocupações estéticas de sua obra. O respeito pelo olhar alheio é sua bússola, sem jamais subestimar sua plateia, seja ela de dentes de leite ou de bocas banguelas, seja ela nacional ou estrangeira. Seu currículo traz curtas-metragens que fizeram a festa do saudoso Anima Mundi, como "Espantalho" (1998), e também longas sobre descobertas na infância, entre eles "Garoto Cósmico" (2008) e (o memorável) "Perlimps" (2022).

Na entrevista a seguir, Alê faz um balanço de suas inquietações em relação à arte de animar e antecipa detalhes de um novo projeto.

De que forma você percebeu o olhar da indústria animada internacional sobre a produção brasileira, em sua trajetória de filmes lançados no exterior e mesmo no Oscar? Que lugar existe para o Brasil no cenário da animação mundial e que lugar você busca para si nessa cena?

Alê Abreu: No Oscar, o contato que tive com os diretores de lá sinalizou um respeito pela liberdade autoral que temos aqui. Mas há pouca relevância de nossa animação por lá. Creio que na cena da animação independente da Europa há um olhar para nós: o Brasil já conquistou prêmios em Annecy, já foi o país homenageado naquele festival e tem filmes e projetos em coprodução. "O Menino e o Mundo" foi lançado em diversos países da Europa e bateu os 500 mil ingressos em cinemas na França. Ainda na Europa, tivemos algumas tentativas de coprodução de "Perlimps" com França, Dinamarca e Luxemburgo. O que só não foi possível pelo protecionismo que eles têm. Gosto de pensar que os filmes são parte do que expressamos para o mundo. É o onde é quando vivemos absorvido pelo artista e devolvido ao mundo através da arte.

Como funcionam hoje as engrenagens para quem vive de animar no Brasil? O que há para ser mudado? O que pode melhorar?

A animação se nutre dos mecanismos de incentivo e políticas públicas do audiovisual, de maneira geral. Creio que dependa delas, como todo cinema independente. Com isso crescemos muito nos últimos anos, principalmente as séries.

Qual é a noção de "infanto-juvenil" ou de family film que norteia o seu cinema e de que maneira você pensa a criança como receptora das suas imagens?

No processo de criação não há como parar pra pensar em filme para este ou aquele público. É algo que já faz parte da natureza do artista, como um tom ou frequência por onde ele se expressa. Penso que se um filme não possui nada que o torne proibido para menores, então é também um filme para crianças. E por mais que seja difícil o entendimento, se suscita nelas bons questionamentos, é bom para seu crescimento, para o dialogo entre a família etc. Assisti ontem ao filme "A Última Floresta" - do produtor de "Perlimps", Luiz Bolognesi - com meu filho de 7 anos. João assistiu curioso e concentrado aos indígenas encenando seus mitos.

A 19ª CineOP, em Ouro Preto, celebra sua voz lúdica como autor. Qual é o Brasil que ecoa nessa voz?

Quando cheguei na França com "O Menino e o Mundo" ouvia dizer que era um filme "tão brasileiro", algo que se via claramente "no desenho, nas cores". Coisas que não percebo até hoje. Talvez seja uma leitura mais fácil para quem é de fora. Às vezes, ouço brasileiros falarem que a nossa animação é marcada por vários estilos, o que é bom por um lado. Ao meu ver ainda estamos buscando responder a essa questão, e os vários estilos são o reflexo da busca por um lugar, de cada artista, mas também da animação brasileira como um todo. Creio que países que têm uma indústria forte passaram por este processo. Por outro lado, o desafio é não perder a liberdade.

O que vem pela frente? Que novos projetos estão por vir?

Estou em pleno desenvolvimento de meu novo filme. Finalizando o storyboard, ao lado de Viviane Guimarães, que foi assistente de direção em "Perlimps". Mergulhei de volta no universo de "O Menino e o Mundo" para realizar um derivado cuja história dialoga, além da estética, com o olhar na política e na história do continente daquele primeiro. A Chatrone é nosso produtor no Brasil, nas figuras de Rodrigo Olaio e Carina Schulze, e tudo indica que será uma coprodução com o Canadá.