Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Levan Akin: 'O que me move é a estética da empatia'

O realizador turco Levan Akin | Foto: Rodrigo Fonseca

Convidado para dois festivais de peso na semana que vem - Frameline San Francisco (EUA) e Karlovy Vary (República Tcheca) -, "Caminhos Cruzados" ("Crossing") vem fazendo barulho na cena indie do audiovisual desde fevereiro, quando estreou mundialmente na Berlinale.

Há cerca de uma semana, ele reverberou por Nova York, no Festival de Tribeca, alimentando debates multiculturais sobre o mal da transfobia. É um dos crimes de intolerância abordados na trama filmada por Levan Akin, cineasta de origem turca nascido em Estocolmo há 44 anos.

Adquirido pela plataforma MUBI, onde será lançado em 30 de agosto, o longa-metragem pede passagem ao circuito brasileiro no dia 11 de julho. Na narrativa construída por Akin, uma professora, Lia (Mzia Arabuli), sai da Geórgia e viaja até Istambul em busca de sua sobrinha trans, Tekla, que sumiu há tempos. Um ativista vai ajuda-la em sua busca. No caminho, um plural ensaio sobre pertencimento é construído.

Na entrevista a seguir, o cineasta, conhecido pelo ótimo "E Então Nós Dançamos" (2019), fala ao Correio da Manhã sobre as pesquisas geopolíticas que fez para construir a produção, que anda arrebatando elogios por onde passa.

Qual é o debate sobre transfobia que rege é o filme?

Levan Akin: Mais do que uma discussão sobre identidade de gênero, "Caminhos Cruzados" é uma reflexão sobre desconexões, sobre a não aceitação da sociedade, com figuras que foram banidas pelo patriarcado. Lia não se enquadra no arquétipo maternal clássico. Ela também é uma outsider. O meu foco estava concentrado em entender essas vivências a partir de uma bolha, como é Istambul. O que me move é a estética da empatia. Ela traz a responsabilidade de saber o peso social que um filme pode ter. Dá a certeza também de que contar histórias é uma ação que vem da nossa curiosidade em relação ao mundo.

De que maneira a cidade afeta as protagonistas?

Não quis retratar a violência, mas ela está lá, permanente, ainda que na forma da exclusão e em seu principal reflexo, a solidão. Por sorte, a comunidade queer é forte e muito vibrante, o que nos garantiu apoio.

Como funcionou o processo de troca com elenco e equipe no set?

Todo mundo queria dizer alguma coisa e todos nós queríamos dizer alguma coisa. Não seria capaz de fazer esse filme pelos veios do cinema da Turquia, nem pelo sistema de fomento da Georgia. Só o financiamento da Europa possibilitaria que eu fizesse o que consegui. Mas foram cinco anos de processo. Eu me mantive nesse período porque trabalho na televisão para sobreviver.

O quanto de "Caminhos Cruzados" carrega uma conexão com a tradição do cinema turco?

Não vejo muito meu processo dentro de uma genealogia. Talvez eu esteja mais conectado com o neorrealismo italiano, com "Noites de Cabíria" e "Mamma Roma". A estética neorrealista mostrou ao audiovisual que cinema não é só fazer filmes, nem a vida. Cinema é um meio de compartilhar territórios com pessoas de outras localidades. Um desses territórios é o afeto. No afeto, eu falo de pessoas que estão tentando se encaixar no mundo.

Como você cartografa o território geográfico da Turquia no filme?

Pela musicalidade. Nunca há quietude em Istambul. Há uma cultura musical que nunca para. Mas, ao mesmo tempo, turcos - e eu sou um deles - amam a melancolia.

Como você encara o fato de que muita gente vá descobrir seu filme no streaming, pela força da MUBI, e não no cinema?

A MUBI democratiza o cinema. Embora eu goste de ver os filmes em tela grande, sei que as jovens plateias hoje fazem suas descobertas nas plataformas digitais, o que também é um caminho.