Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Daniele Luchetti: 'Eu busco a simplicidade'

O cineasta italiano Daniele Luchetti no Festival de Roterdam | Foto: Divulgação RIFF

Conhecido entre os brasileiros Por "Meu Irmão É Filho Único" (2007) e "Anos Felizes" (2013), o diretor romano Daniele Luchetti chega ao Rio neste fim de semana, depois de uma breve passagem por São Paulo, para prestigiar a edição carioca da mostra 8 ½ Festa do Cinema Italiano. Neste sábado (29), às 21h10, o realizador de 63 anos participa de uma projeção de seu longa-metragem mais recente, "Segredos" ("Confidenza"), no Cinesystem Botafogo, onde vai bater um papo com a plateia. Na segunda-feira, dia 1º de julho, ele terá uma roda de conversa no Instituto Italiano de Cultura do Rio de Janeiro, às 18h30. O evento será mediado pela jornalista Claudia Lamego e pelo curador da Cinemateca do MAM, Hernani Heffner.

Egresso de um país que foi a maior pedra no sapato de Hollywood, a partir dos anos 1940, ao ter gerado gênios como Roberto Rossellini, Vittorio De Sica, Federico Fellini, Pier Paolo Pasolini, Lina Wertmüller, Elio Petri e tantas outras vozes autorais, Luchetti começou a erguer seu legado de sucesso em 1985, sempre abordando dilemas afetivos. "Segredos" não foge à regra. A produção, exibida no Festival de Roterdã, na Holanda, é uma adaptação do romance homônimo de Domenico Starnone e é protagonizada por Elio Germano, um dos atores maior prestígio da Itália nos últimos 20 anos. Germano vive Pietro (Elio Germano), professor que ao longo de décadas vive uma relação tensa com Teresa (Federica Rossellini), um grande amor a quem confiou uma intimidade capaz de abalar sua paz.

Na entrevista a seguir, Luchetti faz um balanço de seu histórico nas telas e mapeia os desafios de se falar no benquerer nas narrativas contemporâneas.

De certa forma, "Segredos" ("Confidenza") é uma história de amor, ainda que infestada de fantasmas. Como o senhor avalia a dependência emocional entre os personagens centrais?

Daniele Luchetti: A personagem Teresa é uma espécie de superego de Pietro. É como se ela fosse um outro lado de sua identidade, uma parte externa dele que o censura e o põe em perigo sempre, ainda que seja um perigo invisível.

Qual é esse perigo que ela representa e que estética do medo o senhor cria nessa dinâmica de risco?

O senso de medo que ele tem é movida pela aproximação de uma realidade que ele esconde. Teresa é a ameaça de que a máscara de homem perfeito que Pietro usa caia. O que eu construo é uma fricção de gêneros, misturando o terror a um cinema existencialista.

O que mais lhe atraiu no romance de Domenico Starnone e em sua literatura?

Em sua potência criativa, eu encontro crueldade e profundidade, em uma camada de ação que acontece onde não se vê, ou seja, no interior dos personagens. Domenico foi professor por anos a fio. Eu também tenho a experiência da docência. Por meio da vivência dele e de sua recriação do universo da educação, eu posso entrar numa realidade que pode ser violenta, pois professores têm uma relação de influência direta em nossa formação.

Já que definimos "Segredos" como uma love story, de que maneira (ainda) é possível falar de amor no cinema nos tempos de hoje?

O amor é muito falado na televisão, por isso temos lima certa sensação de saturação. Mas eu me reporto, neste filme, à abordagem amorosa que diretores como Eric Rohmer e François Truffaut faziam no cinema francês dos anos 1970, que tratava o tema pela chave da simplicidade. A partir deles, eu procuro a minha originalidade sem deformar o modo de representar o querer pelo excesso.

Em 2025, o senhor completa 40 anos de carreira. Qual e como é a obra que o senhor vem construindo nesse tempo?

Minha vida nas telas é um retrato do que se passou com o cinema italiano dos anos 1980 para cá, que foi a libertação de um certo classicismo engessador e a busca por uma estética popular. Eu busco a simplicidade. Tento, de um modo simples, conceber uma estética que conte ao mundo os costumes e as dinâmicas sociais do meu país.

É sempre uma tentação para nós, brasileiros, diante de um bom filme italiano, entender de que forma a tradição cinematográfica do seu país age sobre seu processo de criação. De que maneira Fellini, Antonioni, Visconti, Pasolini e outros mitos frequentam seu olhar?

Eu vejo e revejo esses mestres todos os dias, encarando-os como se fossem Homero ou Virgílio. Eu exibo "A Bela da Tarde", de Buñuel, aos estudantes, e eles, por vezes, perguntam no que devem prestar atenção. O que eu tento explicar é que um filme daqueles pega a gente pela transcendência, pela sua liberdade.