Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Antônio Carlos da Fontoura: 'Bons filmes, como bons vinhos, se enriquecem com o tempo'

Antônio Carlos da Fontoura, cineasta, na Berlinale | Foto: Divulgação

 

Encarado como um tabu, à época de sua estreia, em 1985, "Espelho de Carne" terá exibição esta noite, no Canal Brasil, às 22h, em uma cópia remasterizada que ilustra o cuidadoso trabalho de seu realizador, Antônio Carlos da Fontoura, em revisar seus próprios clássicos e cults.

Há cerca de um ano, ele viajou o mundo com "A Rainha Diaba" (1974), com direito a uma consagradora passagem pela Berlinale. na segunda-feira (1), exibiu seu seminal longa-metragem de estreia, "Copacabana Me Engana" (1968), no Estação NET, numa celebração da memória. Fontoura é um cineasta que trata o passado no gerúndio, extraindo de seu próprio legado novos sentidos e novas leituras.

Muita gente terá uma percepção singular do que foi o cinema brasileiro dos anos 1980 e do que era a moral carioca de então ao cruzar com "Espelho de Carne" na TV. Baseado num texto teatral do dramaturgo Vicente Pereira, a ficção acompanha a vida de um casal que compra um espelho em um leilão. Eles colocam o objeto no quarto e começam a sentir diferentes sensações e desejos sexuais ao se aproximarem do artefato, assim como seus amigos e vizinhos. O ambiente torna-se um lugar de prazeres, atrações e luxúrias. O elenco inclui Dennis Carvalho, Daniel Filho, Maria Zilda Betlem, Hileana Menezes, Joana Fomm e Roberto Bataglin.

Na entrevista a seguir, Fontoura faz uma reflexão sobre esse resgate de suas criações.

Como tem sido esse processo de revisão da sua obra que já vem desde a passagem de "A Rainha Diaba" por Berlim? O que você vem aprendendo acerca dos seus filmes?

Antônio Carlos da Fontoura: Uma coisa que observei nas três sessões da 'Rainha' na Berlinale é que a plateia responde aos momentos chaves do filme do mesmo modo das plateias de 50 anos atrás. O filme continua tão vivo e tão novo como na época em que o realizei. Notei ainda mais isso na sessão de perguntas e respostas depois das sessões. Cheguei a ficar pasmo com a acuidade das questões. Aprendi então a valorizar todos os meus filmes e a entender que todos, cada um a seu modo, merecem ser remasterizados para chegar aos seus novos públicos.

O que "Espelho de Carne" representou para sua obra à época do lançamento e de que forma esse filme discute tabus da classe média?

"Espelho de Carne", apesar da excelente repercussão crítica e expressivo desempenho comercial, por romper tabus sexuais, tornou-se um filme maldito na ocasião em que foi lançado. Mas agora, nas sessões especiais de sua versão remasterizada, notei que a plateia jovem está mais aberta e encara mais à vontade as magias do espelho

Como você avalia a recepção que o cinema vem dedicando a seus cults e clássicos? O que significa rever "Copacabana Me Engana" hoje, quase seis décadas depois de sua estreia?

Acho muito significativa a acolhida de meus primeiros filmes por novas plateias, novos cinéfilos e novos críticos. Meus filmes, novos quando foram feitos, continuam novos hoje. Estou começando a entender que bons filmes, como bons vinhos, se enriquecem com o tempo.

O que vem pela frente? Que novos projetos você tem?

Tantos, nem tão recentes. Na exposição sobre meus filmes montada na loja da Cavideo, incluí roteiros que escrevi, mas não tive a alegria de filmar, escrevendo sobre eles uma observação - "Esse não filmei ainda!". Dos roteiros que ainda não filmei os mais queridos são "A Cangaceira Eletrônica", "Hospital Brasil", "A Batalha do Bosque" e "A Mãe do Sonho". O sonho de filmá-los eu tenho, tragam-me o dinheiro.