Agendado de 1º a 4 de agosto, o Festival de Paraty tem anunciado parcialmente as atrações de sua primeira edição, e incluiu entre os chamarizes de sua competição internacional um representante de la nueva onda estética dos bolivianos nas telas: "Los De Abajo". Aos 41 anos, seu realizador, Alejandro Quiroga, conhecido por "Ginger's Paradise" (2020), atrai para si um elogioso boca a boca que aponta seu ensaio naturalista sobre o determinismo nas zonas rurais como um dos grandes filmes de sua pátria.
Na rochosa realidade de "Los De Abajo", a direção de Alejandro Quiroga não deixa muito espaço para a metafísica da fé. Afinal, estamos diante de um estudo sobre o vampirismo capitalista. Na opção de trilhar a rota ainda fértil do cinema de denúncia social, Quiroga dá a Mar Del Plata o que mais se assemelha a um herói, mas numa tradição histórica que vem (numa ponte histórica com a literatura) da prosa de "Germinal" (1885), de Émile Zola. É o chamado "herói do rendimento", a figura histórica que traduz a batalha de um contingente de classe contra os vetores da escassez, movido pelo sentimento (e por uma necessidade mais física do que moral) de sobreviver. Essa é a figura encarnada por Gregório, papel que o ator Fernando Arze Echalada com retidão espartana. É, até aqui, a mais imponente atuação entre os filmes revelados pelo festival argentino.
Amparado numa montagem enervante, "Los De Abajo" é uma espécie faroeste marxista sem tiros, com bicicletas no lugar de cavalos. Há pistoleiros, sim, mas do lado dos capitalistas, sintetizados na figura nefasta de um agente da gentrificação do campo, um cruel latifundiário vivido pelo argentino César Bordón (de "Relatos Salvajes"). O personagem dele quer oferecer uma ninharia por terras de pobres aldeões que sofrem com a falta de água. Cabe a Gregório desafia-lo. Tem bons motivos pra isso, fora a sanha heróica que o espirito denuncista do longa dá a ele. Ele tem um filho pequeno. E fará de tudo para resguardá-lo, o que garante ao longa um colorido vivo. Vale lembrar que esse sóbrio trabalho de Quiroga é coproduzido pela MyMama Entertainment, do Brasil; Río Azul, da Argentina; e Chirimoya Films da Colômbia.
Espera-se que, em agosto, o 77º Festival de Locarno, na Suíça, vá receber um novo filme do Glauber Rocha boliviano: Jorge Sanjinés, um cronista das populações indígenas, sumido há seis anos, mas pronto para regressar com "Los Viejos Soldados". O retorno do octogenário diretor, que começou a filmar em 1961, quando lançou "Sueños y Realidades", ilustra a forma como nuestro vecino de América Latina tem valorizado seu cinema de autor. Desde janeiro, a Bolívia vive uma fase de excelência no circuito internacional dos festivais, a começar pela conquista do Grand Prix de Sundance, em Park City, nos EUA, concedido a "Utama", de Alejando Loayza Grisi.
"Utama" colecionava boas críticas quando um outro filme boliviano, "El Gran Movimiento", de Kiro Russo, ganhou uma menção honrosa no IndieLisboa, em maio. Depois, em junho, via Festival de Tribeca, Nova York ofereceu ao doído "El Visitante", um ensaio antifundamentalista de Martín Boulocq, elogios, holofotes e a láurea de Melhor Roteiro. Sua trama narra a saga de um ex-presidiário que sai do cárcere para refazer sua vida com sua filha, sendo obrigado a encarar o fervor religioso de um pastor evangélico que adotou a garota.
Finalizando os acertos para se impor como um dos principais eventos cinéfilos do ano, o Festival de Paraty vai exibir "Los De Abajo" em competição com o português "Lindo", de Margarida Gramaxo, e com o francês "O Baile das Loucas", de Arnaud Des Pallières. Na competição brasileira de longas ficção, o evento exibe "De Pai Para Filho", de Paulo Halm; "O Mensageiro", de Lucia Murat; e "Atena", de Caco Souza. A disputa de documentários exibe: "Rosa, a Narradora de Outros Brasis", de Valmir Moratelli e Libário Nogueira; "Fernanda Younf - Foge-me Ao Controle", de Susanna Lira; "Luiz Melodia - No Coração do Brasil", de Alessanda Dorgan; "Mais Um Dia, Zona Norte", de Allan Ribeiro; e "Samuel e a Luz", de Vinícius Girnys.