Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Um Coliseu chamado Ridley Scott

Paul Mescal enfrenta Pedro Pascal em 'Gladiador II', que estreia em novembro com a grife de Ridley Scott | Foto: Divulgação

Dedicado hoje ao projeto de um faroeste ("Wraiths of the Broken Land"), o inglês Ridley Leighton Scott passou a semana nas cabeças dos tópicos do YouTube à força do trailer de "Gladiator II". Nas primeiras imagens do épico, agendado para estrear em 14 de novembro, Paul Mescal enfrenta mil perigos, entre eles o ataque de um rinoceronte no Coliseu, sob os auspícios de um estrategista político (Denzel Washington), com ódio de um líder guerreiro (Pedro Pascal).

As chamadas candidatam o longa-metragem ao sucesso, lembrando que o original, de 2000, faturou US$ 465 milhões e ganhou cinco Oscars, entre eles o de Melhor Filme. Em plena atividade, Ridley chegou aos 86 anos empenhado em conquistar o merecido prestígio - em forma de estatueta dourada - pelo qual batalha desde o fim dos anos 1990. Sua arma nessa guerra será o desempenho de Mescal como Lucius. A partir de seus feitos, o publicitário e cineasta pode levar para casa o Oscar e uma fortuna na venda de ingressos.

Nesse quesito, ele sempre foi bom, embora nem sempre tenha ficado satisfeito com as receitas que conquistou. Ano passado, por exemplo, ele viu seu "Napoleão", com Joaquin Phoenix, faturar menos do que esperava.

Reza a lenda que o ponto mais fraco de sir Ridley é sua vaidade, expressa pela grandiloquência das suas produções e também por um desejo de alcançar um lugar que realizadores com status de filósofo do cinema que Stanley Kubrick e Terrence Malick conquistaram. Estes o fizeram pela transcendência das suas reflexões cinematográficas.

Não é por acaso que dizem que "Prometheus" foi a tentativa de Scott fazer uma "Árvore da Vida" ou um "2001: Uma Odisseia no Espaço". Ele já flertou com causas mundanas ao conversar com as cartilhas da telenovelas em "Casa Gucci", apoiado em Lady Gaga. Também já trabalhou com o ideal as superação em "Perdido em Marte", que faturou US$ 630 milhões. Na prática, no entanto, a maior fragilidade do realizador británico está em seu joelho. Em 2010, quando "Robin Hood" foi programado para abrir o Festival de Cannes, ele não conseguiu comparecer à abertura devido a uma operação de última hora em sua rótula.

A fragilidade da sua integridade óssea já foi manchete várias vezes, mais até do que sua mão "podre" para a escolha de projetos: "Hannibal" (2001) ou "Rede de Mentiras" (2008) comprometeram - e muito - a sua imagem como campeão de bilheteria e como um realizador refinado. Só não fizeram mais estrago porque - bem assessorado - Scott fez da sua perna machucada um assunto que rendia mais pano para mangas nos jornais do que os seus deslizes estéticos. Só nos anos 1990, quando "Até o Limite da Honra" (1997) saiu, não houve assessor ou publicista que pudesse salvá-lo, perante a toda a ironia que rodeou a versão Rambo de Demi Moore, apesar das boas receitas que arrecadou com essa passagem pelo universo dos quartéis.

Mas os ataques sazonais não delapidaram o património milionário que Scott construiu no box-office e na publicidade, tornando-se o rei dos anúncios comerciais. Para ficar só na esfera do cinema, seus longas ultrapassam com frequência a fronteira dos US$ 100 milhões de faturação, sendo que algumas obtiveram prestígio tão alto quanto as suas receitas. Foi o caso de "Gangster Americano" (2007, que hoje é destaque na Netflix) e "Falcão Negro Em Perigo" (2001), projetos nos quais ele exercitou o seu belicismo com mais requinte plástico e estofo político. Ele tem talento de um modo inquestionável. O problema em relação a Scott é encontrar a sua verve de autor, o engrama pessoal que sirva de lastro de seu engenho. Embora tenha iniciado a sua carreira como diretor com três filmes magistrais - "Os Duelistas" (1977); "Alien - O Oitavo Passageiro" (1979) e "Blade Runner" (1982) -, que influenciaram a estética comercial de Hollywood nos anos que se seguiram, ele nunca encontrou para si uma identidade autoral, seja em tema ou em forma, que o pusesse entre os gigantes. Essa dor é bem maior do que a dor na perna pela rótula bichada.

Existe um Scott que domina o realismo com brutalidade e secura («Na Vigília da Noite»; "Chuva Negra"; "Os Vigaristas") e outro que sai bem no épico, seja na linha da fábula ("A Lenda") seja na trilha da História ("Cruzada"; "1492: A Conquista do Paraíso"). Há, em cada um, a centelha de um artesão cujo brilho merece ser revalorizado.

Ainda este ano, Scott apronta das suas como produtor, assinando o esperado thriller sci-fi "Alien: Romulus", dirigido por Fede Alvarez, com estreia agendada para 15 de agosto.