Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Nas profundezas de James Cameron

Cameron no set de filmagens de 'Avatar', um de seus maiores êxitos | Foto: Divulgação

Águas muito distintas rolam pela exposição multimídia que a Cinémathèque Française dedicou a um dos mais rentáveis cineastas autorais na atividade nos anos 1980 até hoje: o canadense James Francis Cameron, que completa 70 anos em agosto. A presença de "Titanic" em sua obra já seria uma justificativa para muita referência a H2O, mas é a luta ecológica do cineasta em prol dos oceanos o que mais pesa nas referências hídricas que tomam conta da instituição parisiense.

Algumas salas olham para o amanhã, e de forma distópica, como se vês no espaço dedicado à franquia "Exterminador do Futuro" (1984), que comemora 40 anos em 2024. Abertas até 5 de janeiro, as salas decoradas em referência a seu legado foram divididas em seis temas principais, com base nos elementos centrais de seu trabalho nas telas: "Sonhando com os olhos bem abertos"; "A máquina humana"; "Explorando o desconhecido"; "Titanic: De volta no tempo"; "Criaturas: Humanos e alienígenas"; e "Mundos indomáveis". As duas últimas alas dessa biografia através da arte fazem explícita referência ao projeto "Avatar". É possível conferi-lo no Disney .

Ganhador do Oscar de Melhores Efeitos Visuais, "Avatar 2: O Caminho da Água" fez jus aos feitos de seu antecessor, que custou cerca de US$ 350 milhões e faturou US$ 2,3 bilhões. O original, de 2009, arrecadou US$ 2,9 bilhões disparando como a maior bilheteria mundial da História. Some a seu rol de vitórias 89 prêmios, entre os quais os Oscars de Melhor Fotografia e de Melhor Direção de Arte. Venceu também na já citada frente dos Efeitos Visuais.

Sua continuação explora a Lua de Pandora e seu povo, a civilização Na'vi, a partir do que passa dez anos depois do longa anterior, trazendo de volta (dos mortos) o militar assassino Quaritch (Stephen Lang), a fim de eliminar a família Sully, formada pelo ex-humano (sim, ele troca seu corpo terráqueo para virar um na'vi) Jake (Sam Worthington), sua companheira, Neytiri (Zoe Saldana), e seus filhos. É uma saga que terá múltiplas continuações a julgar pelo gênio por trás de sua trama. 

 

Um realizador que 'bagunçou' as normas de Hollywood

James Cameron orienta Leonardo Di Caprio e Kate Winslet no set de 'Titanic' | Foto: Divulgação

Tudo o que James Cameron filma bagunça as normas de Hollywood e altera a nossa percepção estética acerca do uso da tecnologia em prol da imagem - na ficção e no documentário. Desde sua estreia na profissão, com o curta "Xenogenesis", ele filmou apenas 12 longas. Relativize esse "apenas" ao incluir o já citado "Titanic" (ganhador de 11 Oscars em 1998), com sua bilheteria de US$ 2,2 bilhões entre seus feitos. Todas essas criações estão em cartaz na grade da Cinémathèque, numa retrospectiva que releva as dimensões filosóficas de seu cinema.

"No revisionismo histórico de seus filmes, cineastas sempre encontrarão erros, mas tenho orgulho das histórias que contei. O que me move a filmar é poder garantir ao espectador uma experiência sensorial nova", disse Cameron em meio à produção do novo "Avatar", no fim da Berlinale de 2017, quando apresentou uma versão digitalmente recauchutada do cultuado "O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final" (1991), via Facetime ao vivo com a plateia, na telona do espaço.

Sinônimo de milhões e também de projetos engajados em causas ambientais, Cameron esteve no Brasil em 2010, visitando Belo Monte, no Pará, para estudar os riscos de sua usina hidrelétrica para o ecossistema. "Avatar" foi idealizado por ele para um tratado de preservação da Terra, a partir do cuidado com a Natureza. Ele traz uma reflexão sobre o futuro do mundo desde que estreou o primeiro "Exterminador...", em 1984, em forma de distopia apocalíptica. Em sua confecção, ele acreditou que um halterofilista conhecido nas telas por interpretar o herói de pulps Conan, o Bárbaro, pudesse virar um dos mais icônicos personagens do cinema de gênero pop. Foi ideia dele e de sua parceria, a produtora Gale Anne Hurd, convocar o ator austríaco naturalizado americano Arnold Schwarzenegger para encarnar o androide egresso do Amanhã. Deu certo. "Ali, emplacamos um filme de baixo orçamento, que aconteceu moderadamente, mas fez um boca a boca pela originalidade, abrindo espaço para uma sequência na qual eu pude ousar mais", disse Cameron ao Correio da Manhã, em Berlim, lembrando que voltou a filmar com o amigo da Áustria em "True Lies", sucesso de 1994 que comemora 30 anos e deve ser relançado nas telonas no segundo semestre.

Schwarzenegger chegou a ser cotado para viver o Dr. Octopus na versão nunca filmada de "Homem-Aranha" que Cameron idealizou em 1992. Falava-se de Leonardo DiCaprio para o papel de Peter Parker e até do hoje sumido Edward Furlong, que viveu John Connor em "O Exterminador 2". Mas esse projeto nunca saiu. Cameron deixou "True Lies" diretamente pra filmar "Titanic", cujo atraso na produção fez com que ele abrisse mão de seu cachê como diretor para compensar o estúdio pelos problemas que trouxe. Na época, ele, polemista, deu uma declaração dizendo que jamais emprestaria seu nome a um filme da cinessérie 007, por considerar James Bond machista. "Ele trata as mulheres como objetos", disse o cineasta, que é casado desde 2000 com a atriz Suzy Amis.

Conhecido por seu perfeccionismo, sendo capaz de rodar uma só cena dezenas de vezes, Cameron fez atores de prestígio, com fama de serem durões, sofrerem, como Ed Harris, o astro de um de seus mais cultuados longas: "O Segredo do Abismo" (1989). Essa produção custou caríssimo pra época (US$ 70 milhões) e rendeu beeeem menos do que poderia (US$ 90 milhões), mas ganhou o Oscar de efeitos visuais e virou objeto de idolatria em seu gênero. Não por acaso, foi relançado em HD, em 2023. É uma sci-fi sobre vida alienígena no fundo do mar, arena dramatúrgica que é um xodó do cineasta, por conta de seu investimento na ecologia. Essa ficção científica com Harris veio na esteira de um de seus maiores sucessos: "Aliens, o Resgate" (1986), hoje na grade da já citada Disney .

Há quem defenda que ele superou o "Alien" original, de Ridley Scott, lançado em 1979. Há quem diga o mesmo do roteiro de "Rambo II: A Missão" (1985), que ele escreveu para um Sylvester Stallone no auge da forma. Seu faturamento foi de US$ 300 milhões. Além de ter lucrado uma baba, o longa estabeleceu nos parâmetros para o cinema de ação. Algo que Cameron voltou a esmerilhar com "True Lies". Estima-se que, os dois novos episódios da saga "Avatar", previstos para 2025 e 2027, podem superar vários parâmetros narrativos das telas.