Envolvido na produção de "Jane", com Charlize Theron, Alfonso Cuarón tem um compromisso agendado com a consagração no 77º Festival de Locarno (7 a 17 de agosto), onde será coroado com o prêmio honorário pelo conjunto de sua obra como cineasta. Aos 62 anos, o diretor faz parte de um triunvirato de realizadores mexicanos coroados com dois Oscars, que inclui Guillermo Del Toro e Alejandro González Iñárritu.
Com a escolha de seu nome para integrar o rol de homenageados do evento suíço deste ano - que vai premiar ainda a atriz francesa Irène Jacob e a realizadora neozelandesa Jane Campion -, Cuarón vê a corrida por seus filmes crescer na streaminguesfera, com destaque para "Roma", que lhe valeu o Leão de Ouro em 2018.
Coroado com os Oscars de Melhor Direção, Fotografia e Filme Internacional, o drama está na grade da Netflix e chegou a ser chamado de obra-prima pela "Vanity Fair".
Fotografada (em P&B), montada, escrita, produzida e dirigida pelo oscarizado realizador de "Gravidade" (2013), com base em suas memórias juvenis, este drama sobre a atomização de uma família de classe média, no México dos anos 1970, correu algum dos maiores festivais de cinema do mundo, como os de Toronto, San Sebastián, Londres e Marrakech, totalizando 251 prêmios conquistados em distintos territórios.
"É importante que a existência de um filme não se perca com o tempo. Quando foi que vocês viram um filme de Robert Bresson ou de Yasujiro Ozu numa sala de cinema pela última vez? E quando foi que viram um filme de um mestre do porte deles em outro suporte, doméstico?", questionou Cuarón em sua passagem por Veneza, já garantindo que "Roma" seria exibido em salas comerciais e não só na Netflix. "É importante avaliarmos bem o destino dado a cada filme, a partir de suas especificidades. Este é um filme em preto & branco, falado em espanhol, calcado no drama e sem ferramentas de cinema de gênero. Que espaço será que ele teria em circuito? O importante dessa questão é defender que haja opções de como os filmes sejam vistos, de acordo com o tamanho deles".
Embora andem grafando seu título por aí em minúsculo, "Roma" saiu, originalmente, como "ROMA": o uso de letras maiúsculas é uma brincadeira com a palavra "amor", virado às avessas pelas cacetadas da vida. Em seu novo e confessionalíssimo trabalho, Cuarón revive a crise familiar de uma química, Sofia (Marina de Tavira), cuja paz vai entrar em xeque em meio a viradas em sua rotina afetiva e em seu país. Tudo é narrado sob a ótica de sua empregada, uma jovem ameríndia, Cleo (Yalitzia Aparicio).
"Eu tive uma babá índia que marcou a minha infância e este filme é uma recordação do que vivi com ela", disse Cuarón, que viu seu trabalho ser comparado a "Amarcord" (1973), de Fellini, por sua dimensão memorialística. Antes de "Roma", o diretor chamou a atenção com títulos como "Grandes Esperanças" (1998), "E Sua Mãe Também" (2001), "Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban" (2004) e "Filhos da Esperança" (2006).
No site oficial de Locarno, o curador do festival suíço, Giona A. Nazzaro escreveu: "Alfonso Cuarón é um autor visionário de imaginários ágeis e liberados. Combinando um espírito experimental com a abrangência de grandes escritores populares, ele conseguiu capturar a imaginação e os corações de milhões de espectadores, transmitindo a mesma maravilha que ele mesmo experimentou quando criança e adolescente, aproveitando o brilho do cinema mexicano clássico. Dos romances de amadurecimento à ficção científica, do melodrama às grandes sagas como 'Harry Potter', Alfonso Cuarón se reinventou como artista a cada novo filme, sempre a serviço do prazer do cinema, e assim criou uma obra verdadeiramente multifacetada."