Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

A grife Ryûsuke Hamaguchi

'O Mal Não Existe', de Hamaguchi, foi premiado em Veneza no ano passado | Foto: Divulgação

Enfim chegou ao Brasil "O Mal Não Existe", de Ryûsuke Hamaguchi, cineasta que renovou a força autoral do Japão nas telas. A produção conquistou o Grande Prêmio do Júri do Festival de Veneza de 2023.

Numa fina estrutura dramatúrgica, o realizador de 45 anos se volta para o dia a dia de Takumi e sua filha, Hana, que vivem em um vilarejo nos arredores de Tóquio. Lá, gerações de famílias levam uma vida simples, ditada pelos recursos e ciclos da natureza. Takumi descobre que duas grandes empresas planejam construir, perto de sua casa, um local que será um camping de luxo para turistas que desejam "escapar" da cidade.

Mas a construção terá impacto no fornecimento de água e será uma ameaça ao equilíbrio ambiental do lugar. Seu coeficiente de dor, mas também de superação, caracterizam o olhar lírico do diretor, que ganhou fama no início desta década.

Seu projeto atual é "Our Apprenticeship", que deve mirar o Festival de Cannes de 2025. Nada se sabe sobre sua nova trama, mas enquanto ela sai do papel o trabalho de maior culto e de sucesso de Hamaguchi, "Drive My Car", ganha uma nova vitrine, não por acaso, o mais popular dos streamings: a Netflix. A MUBI ainda mantém essa produção de US$ 1,3 milhão, ganhadora do Oscar de Melhor Filme Internacional de 2023, em sua grade. Mas a chegada ao www.netflix.com amplia o prestígio e a popularidade de Hamaguchi, Num papo com o Correio da Manhã, quando integrou o júri da Berlinale, há dois anos, o cineasta falou sobre desejo de se comunicar pelas telas:

"Eu tento entender o isolamento, em parte por vir de uma cultura na qual as pessoas têm dificuldades para exprimir o que sentem e para expressar suas inquietações. E eu tenho um profundo apresso pela força plástica da palavra do cinema. O silêncio, no meu cotidiano já diz muito. Gosto de que vá além dele", disse Hamaguchi, que concorreu aos Oscars de Melhor Roteiro Adaptado e de Melhor Direção também por "Drive My Car".

Com uma bilheteria de US$ 15 milhões, o longa é um (melo)drama idealizado como releitura das tramas da coletânea "Homens Sem Mulheres" (2014), de Haruki Murakami, um dos maiores escritores da atualidade. Releitura essa que conquistou Globo de Ouro de Melhor Filme de Língua Não Inglesa, três prêmios em Cannes (Melhor Roteiro, Prêmio do Júri Ecumênico, Prêmio da Crítica) e mais 96 láureas.

Egresso da província de Kanagawa, Hamaguchi faz de "Drive My Car" uma experiência catártica de sublimação de perdas. É um drama devastador, mas que conquista pela sutileza e pela delicadeza, dialogando com a peça "Tio Vayna", de Anton Tchekhov (1860-1904). De carona em sua trama, acompanhamos a saga de um ator e diretor de teatro em reinvenção, após a morte de sua mulher, construindo laços afetivos com uma jovem motorista.

"Talvez a grande escola cinematográfica que eu siga seja John Cassavetes no filme 'Uma Mulher Sob Influência', que eleva a potência de uma atriz ao extremo", disse Hamaguchi. "Toda a verdade que existe em cena vem da organicidade que sua estrela dá ao que ele quer contar. E é o que eu busco no processo com meus colegas do elenco".

Em 2021, Hamaguchi foi laureado na Berlinale com o drama "Roda do Destino" ("Wheel of Fortune and Fantasy"), que lhe rendeu o Grande Prêmio do Júri, na forma de um Urso de Prata. Badalada mundialmente, a produção narra três histórias autônomas, todas protagonizadas por personagens femininas. As três falam dos encontros e desencontros da vida, de desejos represados e do poder do acaso na transformação e nos relacionamentos.