CRÍTICA FILME - DIVERTIMENTO: Longe da demagogia e da obviedade
São vários os eixos que desenvolvem "Divertimento". Preconceito contra as mulheres no mundo musical é o mais óbvio deles. Preconceito na França contra os árabes, o que é coisa corrente. O preconceito de classe social fecha a série. Tratados com alguma - ou muita - demagogia costumam dar resultados lamentáveis. Evitá-los é, certamente, a primeira virtude da diretora deste filme, Marie-Castille Mention-Schaar.
Não a única, certamente. Ela busca boas personagens: as adolescentes Zahia a Fatouma Ziouani. A segunda é violoncelista: as dificuldades que enfrentará estão dentro do padrão dos praticantes de música erudita. Zahia terá um caminho mais espinhoso, pois sonha em ser chefe de orquestra - maestra.
A origem árabe, a modéstia familiar e o fato de ser mulher, tudo isso pesa muito contra ela. Mention-Schaar trata suas dificuldades com discrição, um comentário aqui, uma reprimenda ali basta para sabermos que o caso é mesmo de preconceito, derivando para tratamentos desiguais.
O filme, admita-se, trata também desigualmente o rival de Zahia, um jovem favorecido por mestres - os homens, no caso - e colegas. O filme não precisaria tratá-lo como antipático e arrogante. Trata-se da velha necessidade de criar um antagonista a todo custo. Era dispensável porque "Divertimento" deixa claro o quanto o ambiente musical é povoado de egos e rivalidades. Zahia não é exceção.
A intriga aqui é o que menos importa. A virtude do filme é penetrar adequadamente nas dificuldades de formação de um músico e, mais ainda, de um maestro. Pior, claro, se for maestra. No caso de Zahia, pesa bastante o fato de ter sido acolhida por um maestro célebre, como Sergiu Celibidache.
É por ele que Zahia - e nós, por tabela - é introduzida à tremenda solidão do músico. Sabemos já como as coisas se passam com Fatouma, a violoncelista, a exigência dos estudos, a busca pela excelência.
Mas Celibidache insiste com Zahia não só no que diz respeito à técnica, nem ao desenvolvimento de algo que podemos chamar de intuição - o domínio do tempo. Ele a introduz ao terror que consiste estar diante de um grupo de músicos a quem deve não apenas cobrar como impor a sua visão.
O certo é que Celibidache viu nela qualidades que poucos têm. É a partir daí que Zahia deve saltar do sonho à realidade. E para o espectador, em especial aquele que gosta de música, abre-se a possibilidade de entender, um pouco que seja, a dificuldade do que é ser chefe de orquestra, ou seja, transformar um todo heterogêneo - cada músico e cada instrumento - em um conjunto homogêneo.
Tudo isso é necessário, mas, veremos, não suficiente. O caminho até se tornar uma regente será árduo para Zahia. Mas ela, assim como Fatouma, triunfará.
Não se trata aqui de estragar qualquer tipo de surpresa ou prazer. A evolução é óbvia. Quanto ao gênero, poderia bem ser chamado "biografia", pois trata-se de duas personagens da vida real. Divertimento, no mais, é o nome que Zahia deu à sua orquestra, cuja sede é (ou era) em Stains, cidade da região parisiense.
Uma observação ao final (apenas 4% dos regentes são mulheres na França) explica a opção de Zahlia Ziouani por ter sua própria orquestra e de direcioná-la a determinados fins (democráticos, por sinal).
Dito isso, a direção de Mention-Schaar não impressiona pela ousadia, optando pela discrição; não enfeita as coisas, deixa que o encanto venha sobretudo dos sons. Salvo alguns efeitos de desfoque a diretora não se deixa levar por facilidades. O que a distingue do academismo é sobretudo a capacidade de olhar as pessoas, captar suas reações, alegrias, frustrações, expectativas etc. É o que sua câmera melhor faz.
De tudo isso resulta uma boa diversão, não só para os fãs de música.