De uma só tacada,neste fim de semana, duas peças teatrais inéditas levam ao palco a grife Alessandro Marson, autor de novelas de enorme sucesso como "Novo Mundo", escritas em parceria com Thereza Falcão. De um lado, no Poeirinha, ele estreia "Pandemônio", uma distopia narrada de trás para frente, na qual uma atriz, Kika (Jessica Marques), e um pastor, Anton (Pedro Carvalho), encontram-se refugiados num bunker. Do outro lado, no Estúdio FilmIn, em Botafogo, tem "Um Só", no qual um grupo de aspirantes a estrelas disputa a chance de protagonizar um longa-metragem.
Na entrevista a seguir, Marson fala sobre o trâmite sobre gêneros narrativos distintos e sobre a busca por uma voz autoral nos palcos.
Qual é o desafio de se encenar uma distopia no teatro brasileiro de hoje? De que maneira essa narrativa distópica, "Pandemônio", condensa elementos da realidade brasileira atual?
Alessandro Marson: Nunca tinha me aventurado por este gênero específico. Acho que o grande desafio de se fazer uma distopia no teatro é a construção do universo ficcional. Em uma distopia o universo apresentado precisa ser ao mesmo tempo reconhecível e perturbador, e acho que consegui chegar neste ponto. Talvez porque a realidade brasileira, mais que isto, a realidade mundial, está bem esquisita. Sinto que estamos constantemente a um pequeno passo de eventos extremos, estamos morando num quase apocalipse. Para mim, a pandemia foi isto. Nunca imaginei passar por uma situação como aquela, de ficar confinado em casa, de ver as ruas totalmente esvaziadas, com um vírus mortal se espalhando pelo ar. Foi assustador. Daí, para começar a chover gafanhoto é um pulo.
De que maneira os dois personagens - a atriz e o pastor - estruturam uma relação de afeto que aponta estratégias de sobrevivência, de resiliência?
Desde a primeira cena o público já sabe o destino dos dois. Então, a construção da narrativa foi criada para revelar como foi que eles foram parar naquele lugar, por que foram obrigados a se esconder. São duas pessoas em uma situação de extrema tensão e quando isto acontece, emergem os conflitos, afetos, temores. Anton e Kika se expõem de um jeito que não fariam se estivessem em uma situação confortável. Eles podem ser mortos a qualquer momento. Anton, em um momento, apoiou o golpe. Então, a tensão e as culpas de cada um estão sempre sendo dissecadas, mas eles estão ali porque não querem morrer, eles querem sobreviver, estão lutando. As pessoas sempre têm uma esperança de que as coisas possam se resolver, melhorar, por piores que elas estejam. Acho que é este fiapo de esperança que mantém os dois de pé.
Qual é a busca estética consciente que seu teatro faz ao falar sobre o Brasil? Qual seria o eixo central das suas buscas como autor?
Agora sinto que estou me aventurando por uma narrativa mais densa. Já havia feito no teatro algumas comédias escrachadas, comédias românticas e até musicais. Mas senti vontade de falar sério agora, e não tem nenhum juízo de valor nisto. Cada gênero tem suas especificidades, suas dificuldades e seus prazeres. Na verdade, não foi bem uma escolha. O texto "saiu" assim. Não sei se é por conta da idade, da polarização, da fase pela qual estou passando, do trânsito astral. A maneira pela qual um autor se expressa é a reprodução da maneira como ele enxerga a realidade. Estou com outro texto de minha autoria estreando, que também tem uma narrativa mais pesada, a peça "Um Só". Ela e "Pandemônio" vão estrear na mesma semana, uma grande coincidência, muito feliz. Então, a busca da minha estética teatral tem a ver com o que eu estou vendo, como isto é processado e compreendido por mim e devolvido para o mundo. Para mim, o teatro tem que "bater", fazer pensar, conseguir emocionar, causar algum encantamento. Esta é a minha busca.
Qual é o foco da peça "Um Só" e como surgiu a ideia de explorar os temas abordados na peça?
A peça se passa em um estúdio de cinema. Três jovens estão entre os finalistas na disputa do papel do protagonista de um filme. Apenas um deles irá conseguir o papel. Enquanto esperam para fazer o teste final, eles vão se conhecendo. Minha inspiração foram os reality shows, mas conforme fui me aprofundando na história, eu me dei conta de que estava falando sobre temas mais amplos como polarização, masculinidade, questões existenciais. Isso é interessante quando se escreve para teatro. Você parte de um ponto, achando que vai parar em um lugar, mas às vezes, você pega um atalho e acaba chegando em outro destino. "Um Só" foi um pouco assim. As personagens foram tomando forma e ganhando musculatura durante o processo de escrita. Tanto que eu só decidi qual seria o final da peça no momento de escrever a cena, não sabia bem como ia terminar. Fui sendo conduzido pelas personagens.