Paquetá é diferente de tudo. Parece o que parte do Rio foi nos anos 1940 e 50: as pessoas se cumprimentam nas ruas, existe paz - sem carros - e os cachorros andam tranquilos sem coleira. Quando você pega a barca, os passageiros se abraçam.
É uma terra de pouquíssima gente, três ou quatro mil pessoas. De lá, falam que às vezes vêm ao "continente". Então meu amigo Kleber ia para o trabalho e marcamos um almoço. Só a viagem de barca já é um calmante. Rimos, conversamos sobre problemas e a vida, comemos, celebramos. Pegamos a barca de uma e pouca, voltei na de quatro e meia. Deu tempo de conhecer a maravilhosa loja de doces do Elias - uma bomba maravilhosa, espero voltar lá na semana que vem. Vascaíno gente boa e vestido de Museu da Pelada, papo excelente.
Em Paquetá dificilmente as fotos não saem boas, porque a todo momento você fotografa o tempo e o passado. Tudo é vintage de alguma forma, melhor assim.
Kleber foi para a festa da escola, voltei na barca vazia. Pela janela, os mistérios das embarcações ora ativas, ora paradas na baía de Guanabara, até abandonadas. A janela em gris e os mistérios. Viajar sozinho é diferente, você não conversa, fica observando as coisas. Gosto de um senhor que vende biscoito Globo na embarcação: humilde, bem vestido, ele passa os cinquenta minutos oferecendo seu produto e conversando com os passageiros - conhece todos, menos eu. Cinco da tarde, ali está um senhor com setenta anos ou mais, lutando dignamente pela sobrevivência e, quando o vejo, recordo quanta gente estúpida e grosseira com quem convivi por quase trinta anos no mundo corporativo - gente estúpida de todo o Brasil. Nenhum daqueles têm a elegância do vendedor. Nenhum. Ele faz questão de ser simpático, de tratar bem as pessoas e esse talvez seja um dos bens mais preciosos em tempos de tanta escrotidão e indiferença.
Passo por baixo da ponte Rio-Niterói e ainda me espanto com o gigantismo das vigas. Uma obra esplêndida, mas que custou a vida de muitas pessoas durante a construção. Às vezes passamos pelos lugares e não reparamos a luta que tanta gente boa e simples fez para que o cenário existisse. Depois da ponte, o belo passeio fica igualzinho ao de Niterói x Rio, que conheço bastante. Está acabando, que pena.
No desembarque, um golpe de sorte. Saltei bem no corredor onde fica a casa lotérica e fui marcar meu cartão da lotofácil. No caixa, escuto a voz de um homem aliviado por encontrar o telefone e outras coisas que havia esquecido. Quando vejo, é meu velho amigo Falcão, dos tempos da UERJ, que não via há anos. Deu tempo de bater um papo, prometer um chope, falar da vida. Ele foi para Niterói, eu cortei a praça XV e resolvi ir a pé até o Gaúcho para comer um sanduíche. Estava escuro e frio, mas pelo menos a rua da Assembleia estava cheia de passageiros esperando seus ônibus para a Zona Oeste.
O Gaúcho, esquina de São José com Rodrigo Silva. O bar é de 1941, tem sanduíches baratos espetaculares, todo mundo bebe em pé. Eu, com meu bloco do eu sozinho, meu copo de mate da casa, certa melancolia de inverno e a certeza de que, diante de uma vida dura e detestável, finalmente tive uma tarde de paz - ou de cessar fogo, que parece mais adequado para o que chamam de tempos modernos. Obrigado, Paquetá.