Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Brasil com K

Kleber Mendonça Filho: o diretor pernambucano participa numa performance no .doc sobre salas de exibição | Foto: Divulgação

Indicado ao troféu Grande Otelo, que será entregue no dia 28 de agosto, na Cidade das Artes, pela Academia Brasileira de Cinema, "Retratos Fantasmas" ganha espaço nobre na Europa ao ser incluído na Filmin, uma espécie de Netflix de luxo ibérica. Lá estão ainda uma série de curtas do mesmo realizador, o pernambucano Kleber Mendonça Filho: "A Copa do Mundo no Recife", "Vinil Verde", "Eletrodoméstica" e "Recife Frio". Nos EUA, o.doc sobre salas de exibição do Recife entrou no Criterion Channel. No Reino Unido, quem entra na MUBI (um streaming só de filés autorais) tem a chance de conferir "Bacurau", nordestern que deu ao diretor (em parceria com Juliano Dornelles) o Prêmio do Júri de Cannes, em 2019.

Toda essa movimentação se dá num momento em que o cineasta foi anunciado como um dos jurados do Festival de Veneza (28 de agosto a 7 de setembro). Nas últimas semanas, ele anda ocupado com as filmagens de seu novo longa-metragem de ficção, "O Agente Secreto", com Wagner Moura, previsto para 2025.

No Velho Mundo, pletaformas como o YouTube, a Apple TV, a Curzon e a Google Play Film põe em oferta a chance de compra ou aluguel do primeiro longa de Kleber: "O Som ao Redor", que fez sua estreia nacional no Festival de Gramado de 2012. Batizado de "Neighboring Sounds" nos EUA e de "Les Bruits de Recife" na França, esse thriller de observação social (sobretudo da classe média) transformou seu diretor no mais festejado cineasta brasileiro da atualidade. Ganhador de 38 láureas internacionais, incluindo o Troféu Redentor de Melhor Filme do Festival do Rio 2012, o longa começou sua carreira em Roterdã, na Holanda, de onde saiu com o Prêmio da Crítica, que é dado pela Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica (Fipresci).

Na trama de "O Som ao Redor", os moradores de um condomínio de prédios de uma área abastada da geografia recifense têm sua rotina desestruturada pela chegada de uma milícia de seguranças. Irandhir Santos lidera o grupo de vigias, que circula entre moradores. Lá vivem tipos como o corretor João (Gustavo Jahn), recém-chegado de uma estadia no exterior, e seu avô, o coronelista Francisco (W.J. Solha). Destaque no elenco para o desempenho de Maeve Jinkings, brilhante em cena, no papel de uma chefa de família incomodada com os latidos do cão de seu vizinho. DJ Dolores assina a trilha sonora. Pedro Sotero e Fabricio Tadeu cuidam da direção de fotografia, que evita exotismos ao fazer sua crônica de costumes... e distorções. Exótica (se é que essa é a melhor palavra) a cena de um banho de sangue revela muito sobre nossos espectros coloniais e imperiais. É um banho numa cachoeira, na zona de um velho engenho de açúcar, onde residem fantasmas de um Brasil arcaico e dominador. Virou o set piece do longa. Set piece é o termo que designa sequências que sintetizam filmes no nosso imaginário, como o voo de E.T., de bicicleta, à luz da lua, ou a dança de Uma Thurman e John Travolta em "Pulp Fiction". Thales Junqueira foi quem cuidou da arte.

Kleber escreveu e montou o filme numa edição em dupla com João Maria). O cineasta trabalhou com um orçamento de R$ 1,8 milhão, sob a finíssima produção de Emilie Lesclaux. Nas bilheterias brasileiras, o longa vendeu cerca de 100 mil entradas, chegando ao circuito com múltiplos mimos em seu currículo, como o Kikito de melhor direção, conquistado em Gramado, seis meses antes.

Laureado com o prêmio de Melhor Documentário no Festival de Lima, no Peru, onde chegou precedido pelas críticas arrebatador, "Retratos Fantasmas" faz de Kleber um dos favoritos ao Grande Otelo de 2024. Uma mostra organizada pela Academia Brasileira de Cinema, no ar até o dia 27, devolve o longa ao circuito, numa retrospectiva dos indicados que corre por diferentes cidades do país. Trata-se de um experimento híbrido de não ficção, autoencenação e memorialismo poético. Sua narrativa parte de fotos antigas, que foram garimpadas nos mais variados acervos. Na telona, elas são mescladas a imagens de arquivos e registros pessoais de vida de KMF. A mistura de recordações afetivas, registros visuais diversos e reflexões sobre memória arranca elogios de colegas de ofício.