Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Andanças atrás de 'Bonga'

Renato Aragão usa elementos chaplinianos para compor Bonga, um vagabundo que ajudaria a moldar a figura de Didi nos longas da franquia dos Trapalhões | Foto: Arquivo Nacional/Fundo Correio da Manhã

Com o sucesso da recente passagem de Renato Aragão pelo "Domingão do Huck", da Globo, os filmes que fizeram dele o maior campeão de bilheteria do cinema nacional voltam a despertar o interesse das redes sociais. Um desses longas hoje ganha status de cult: "Bonga, o Vagabundo". Xodó de Antônio Renato Aragão, o filme de teor mais chapliniano do trapalhão, já cinquentenário, retornou aos holofotes por conta da presença do dublador Orlando Dummond (1919-1921) em seu elenco. O eterno Seu Peru, consagrado com a voz de Popeye, Alf e Scooby Doo, é endeusado por seu legado de voz, o que gerou uma corrida de seus fãs à internet e a videotecas à caça de registros de seu talento. Eis que o longa mais exótico da obra cinematográfica de Aragão despontou no horizonte, em registros esparsos do YouTube.

Sua rodagem é atribuída a 1969, mas a data oficial, registrada na Cinemateca Brasileira é 1971. O abilolado personagem Didi, pelo qual Aragão é famoso, veio antes dele, na passagem de seu intérprete pela TV Ceará, nos anos 1960. Mas ele ainda criou (e se encantou por) Bonga. Signo de lumpesinato, Bonga é uma brincadeira à la Chaplin, tendo como seu diretor Victor José Lima (1922-1980), ex-crítico da "Cena Muda", responsável pela direção de fitas imprescindíveis do cinema popular nacional como "Chico Fumaça" (1956) e "É de Chuá!" (1957).

Distribuído à sua época pela companhia Produções Cinematográficas Herbert Richers S.A., o longa mostra Bonga como um Pedro Malasartes maltrapilho, cuja esperteza para dar golpes é equivalente a seu carinho para dar afagos aos desvalidos. Ali estão elementos que influenciariam - nos anos seguintes - na depuração da figura de Didi Mocó no cinema. Na trama, Bonga tenta ajudar um amigo a encontrar uma noiva e satisfazer os desejos do pai do jovem, que quer ver seu filho casado. Mas, o golpe armado por Bonga vai envolver sua grande paixão, complicando os planos afetivos deste nosso Carlitos. No elenco estão Maria Cláudia, Neila Tavares, Jorge Dória, Ronaldo Canto e Melo e o já citado Drummond, um dos maiores dubladores do Brasil. A fotografia é de Antônio Gonçalves e a música traz composições de Sérgio Dizner. Sua bilheteria foi de 939.790 ingressos vendidos.

Seu lançamento se dá em uma época de ressaca cultural para o país, pois, três anos antes o AI-5 chegou havia sido instaurado, batendo na porta da liberdade de expressão para desabrigá-la, ferindo nossa democracia, em prol dos interesses da ditadura militar.

Num cenário desses, o lúdico "Bonga, o Vagabundo" surge como uma espécie de caminho do meio, abrindo uma rota lírica, na qual o riso podia vir dissociado das mazelas políticas e das incontinências hormonais comportamentais. Era um riso mais doce, sem "carregos", que ajudou a pavimentar a estrada na qual, nas duas décadas a seguir, Aragão reinaria soberano com seus Trapalhões na venda de ingressos. É, portanto, uma joia do riso, cujo valor merece ser reavaliado, com justiça. Com graça.