Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Radiografando Chris Nolan

Nolan volta a provocar as retinas do público dos EUA com a reestreia de "Interestelar" (2014), hoje considerado sua obra-prima. O filme volta às telonas americanas numa celebração dos 10 anos de seu lançamento | Foto: Divulgação

Ainda não se sabe se o próximo filme da franquia 007 terá ou não a grife de Christopher Nolan, assim como não é certo que ele vá dirigir uma versão para as telas da série de TV "O Prisioneiro". Enquanto os próximos passos do ganhador do Oscar por "Oppenheimer" não sai do papel, a prestigiosa revista britânica "Empire" desbrava o legado do cineasta, ao lançar um almanaque (adquirível via bancas especializadas e via encomenda no site www.greatmagazines.co.uk/empire) que devassa todos os segredos do cinesta britânico.

Cada um de seus longas é meticulosamente estudado na publicação, que traz entrevistas com colaboradores e textos de fã ilustres, como o diretor canadense Denis Villeneuve (de "Duna").

Volta de obra-prima

Ao mesmo tempo em que esse periódico agita a cinefilia inglesa, Nolan volta a provocar as retinas do público dos EUA com a reestreia de "Interestelar" (2014), hoje considerado sua obra-prima. O filme volta às telonas americanas numa celebração dos 10 anos de seu lançamento.

Ao largo de seu regresso, essa edição especial da "Empire" é uma prova de que o mercado editorial quer saber mais sobre o artista que desafiou convenções do cinemão transformando episódios da História (vide a batalha de Dunkirk, na II Guerra Mundial, e a construção da bomba atômica pelo físico J. Robert Oppenheimer) em espetáculos rentabilíssimo e esteticamente ousados.

Essa dimensão espetaculosa dele se estende a sci-fis (como "Inception" e o já citado "Interestelar"), thrillers ("Tenet", "Amnésia") e adaptações de HQs ("Batman - O Cavaleiro das Trevas").

Em 2018, logo que "Dunkirk", uma produção de US$ 100 milhões, tornou-se uma campeã de bilheteria, com um faturamento de US$ 530 milhões, a editora Cátedra, da Espanha, editou "Christopher Nolan", em seu selo Signo e Imagen, sob a autoria de José Arad. Já na França, o legado que ele vem criando desde seu primeiro longa-metragem, "Following" (produção de 1998), inspirou as páginas de "Les Théorèmes de L'Illusion", de Guillaume Labrude, e "La Possibilité d'un Monde", de Timothée Gérardin.

O maior enigma

Muito da literatura hoje em voga sobre o diretor investiga seu mal recebido "Tenet" (2020). Na "Empire" especial, há páginas e páginas sobre ele. Hoje disponível no streaming MAX (ex-HBO), o filme é considerado por muitos o maior enigma do corpus criativo de Nolan, em sua forma de abordar o Tempo num estudo sobre antimatéria. A sequência inicial é um deslumbre, mas muita gente jura não ter entendido a proposta trazida pelo longa, que foi lançado assim que o primeiro lockdown decorrente da covid-19 arrefeceu.

A maior parte dessa fortuna crítica paga tributo a uma forma única de filmar que se consagrou em definitivo com "Oppenheimer". Sua bilheteria foi de US$ 975 milhões. Uma postagem na internet do cineasta Paul Schrader, diretor de "Fé Corrompida" (2017) "A Marca da Pantera" (1982) e roteirista de "Taxi Driver" (1976), resume tudo o que o Nolan conseguiu sintetizar ao longo de três horas de pura excelência. Schrader disse: "É o melhor, o mais importante filme deste século". O superlativo impressiona e até espanta, não só por soar prematura, mas por ter sido emitido por um criador sábio, extremamente avesso a (quase) tudo o que a indústria hollywoodiana produz.

O que justifica sua fala seja justamente o fato de Nolan não ser aquilo que os estúdios cismam em produzir e, sim, um diretor autor que dirige narrativas personalíssimas, de teor filosófico, em forma de espetáculo, como é o caso do estonteante "Oppenheimer". Basta dois diálogos para que toda sua força dramatúrgica fique evidente: a) "Genialidade não garante sabedoria"; b) "Vocês procuram o sol, só que o Poder reside nas sombras". Essa joia aí ao lado é dita pelo almirante Lewis Strauss, intelectual autodidata que busca exterminar a reputação do físico J. Robert Oppenheimer depois de sugar dele aquilo de que a América necessitava em meio à II Guerra: a criação de uma arma nuclear suprema.

Estruturado na aparência de uma definitiva aula de geopolítica sobre a corrida nuclear, o filme carrega toda a assinatura formal e filosófica do realizador despontou aos olhos da crítica com "Amnésia", em 2000 e virou objeto de culto (e também de ódio) com a trilogia "Batman" (2005-2012). Tal assinatura se faz viva: 1) no fascínio em relação a episódios que mudaram a História, como visto em "Dunkirk" (2017); 2) o interesse pela gênese do mal e sua banalidade, como visto em "Insônia" (2002); 3) o encanto pela dimensão humanista da Ciência, o que foi o alimento de seu trabalho mais incensado - e ao mesmo tempo, mais incompreendido - que é "Interestelar" (2014); e 4) o interesse em fazer uma autopsia em corpo vivo das cicatrizes da Guerra Fria, como visto em "Tenet" (2020).