O faroeste brasileiro "Oeste Outra Vez" tem uma única e rápida aparição feminina. Luiza (Tuanny Araújo) não tem paciência para a briga infantil entre dois homens que pensam que estão a disputá-la e os abandona sem virar a cabeça nem por um segundo, deixando-os se engalfinhar em socos e chutes. Depois, não há mais atrizes. A ausência feminina, no entanto, é latente e o que norteia a vida vazia dos personagens. Exibido na segunda-feira no Festival de Gramado, o filme de Erico Rassi é um dos mais aclamados por críticos que acompanham o evento gaúcho. A obra está na mostra competitiva com outros seis longas.
Filmado no sertão de Goiás, conta a história de Toto (Ângelo Antônio), um homem abandonado pela mulher que foge na bela paisagem da Chapada dos Veadeiros na companhia de um senhor mais velho, o Jerominho (Rodger Rogério), que se torna seu amigo pela companhia, não pelo diálogo. É um filme silencioso, e por isso os diálogos, quando aparecem, importam.
A história se entrelaça à de outros amargurados incapazes de processar qualquer emoção e de dialogar. A raiva não é a estampa de suas personalidades, bem sensíveis à dor, mas a violência é o único recurso encontrado no raso repertório psicoemocional que têm. Ou se resolve no tiro ou na cachaça.
Essa incapacidade de dialogar, mesmo quando se pretende, é cômica. Os homens são empáticos ao outro, mas o máximo que elaboram em uma conversa é: "Parece que tá melhorando [a perna baleada do amigo]". "Pode ser que tá." "O senhor acha que não?" "Parece que muito, não." "Nem um pouco?" "Um pouco capaz que sim." "Mas muito não?" "Muito capaz que não." Por fim, um silêncio prolongado.
Além de Toto e do parceiro Jerominho, sofrem de resignação Antonio (Daniel Porpino), acompanhado do parceiro Domingos (Adanildo Reis), Durval (Babu Santana) e Ermitão (Antonio Pitanga).
Jerominho, um ex-capataz demitido prestes a ser "promovido a jagunço", é coadjuvante da história de Toto, mas talvez o personagem mais marcante do filme. O compositor cearense Rodger Rogério, que também fez "Bacurau", é quase um estreante no cinema e interpreta com maestria um homem rural simples e calado.
Sua atuação é elogiada pelos colegas, como Ângelo Antônio. "Acho que é um dos trabalhos que mais gostei de ter feito. Talvez eu tenha feito tudo para chegar nesse momento aqui agora, estar com Rodger e esse elenco. É ele é quem me ajudou a ancorar o personagem."
Rodado desde 2019, o filme foi feito com pouco dinheiro. Isso, porém, não afetou a direção de arte ou a fotografia, que exibe todos os tons do cerrado, a queimada, a terra e a sensação de abandono vivida pelas personagens.
"Tive muitas referências da literatura. Enquanto escrevia, li 'Sagarana' três vezes em sequência. Há uma tentativa de trazer esse universo de Guimarães Rosa de um jeito mais contemporâneo e seco", diz o diretor, que trabalhou com as produtoras Cristiana Mioto, com quem é casado, e Lidiana Reis.
A ausência de mulheres no elenco, com exceção da aparição de Luanni no início, incomoda. Seria feminista um filme que tira mulheres da cena para escancarar a fraqueza masculina e a inaptidão para lidar com emoções básicas? Mas como pode ser feminista um filme sem mulheres no protagonismo? Esses tópicos surgiram no debate sobre a obra, com discordâncias entre as mulheres.
O ator Babu Santana também ficou incomodado no início, quando não encontrou mulheres ao seu lado na frente das câmeras, mas ele mudou de ideia ao olhar para trás. "Nossa equipe tem 70% de mulheres. Eu já fiz bastante produção e nunca tinha visto uma equipe tão feminina, e como as coisas davam certo."
Trata-se de um filme sobre homens que não se encontram e atribuem isso à ausência feminina. Diante da primeira cena de Luiza, parece que elas encontraram coisa melhor para fazer.
O longa disputa o Kikito com "Pasárgada", estreia de Dira Paes na direção, "Cidade;Campo", de Juliana Rojas, "Filhos do Mangue", de Eliane Caffé, "O Clube das Mulheres de Negócio", de Anna Muylaert, "Estômago 2: O Podereso Chef", de Marcos Jorge, e "Barba Ensopada de Sangue", de Aly Muritiba.