Por: Rodrigo Fonseca| Especial para o Correio da Manhã

O galã reinventado

O ator no litoral cearense, no set de filmagem de 'Motel Destino' | Foto: Jarbas Oliveira/Divulgação

Imortalizado na memória da teledramaturgia brasileira muito além do ofício de galã, graças a seu desempenho memorável em "Os Maias" (2001), "Celebridade" (2002-2004) e "Onde Nascem Os Fortes" (2018), Fábio Assunção ganha (enfim) a (muito merecida) reverência do cinema autoral brasileiro ao estrelar "Motel Destino", de Karim Aïnouz.

O thriller erótico do realizador de dramas aclamados como "Abismo Prateado" (Prêmio de Melhor Direção no Festival do Rio de 2011) estreia nesta quinta-feira, depois de ter representado o Brasil na disputa pela Palma de Ouro de Cannes, em maio. Assunção esteve com ele também no Rio Grande do Sul, na abertura do Festival de Gramado. A carreira do longa-metragem se dá em paralelo ao engajamento do ator de 53 anos numa das peças mais badaladas do país neste ano: "Férias", na qual contracena com Drica Moraes.

Na telona, sob as lentes de Karim, ele liberta todos demônios do machismo e da violência ao encarnar Elias, dono de uma hospedaria adequada para encontros fugazes numa praia do Ceará. Sua companheira, Dayana (Nataly Rocha), anda cansada de suas grosserias e acaba se interessando por um jovem, Heraldo (Iago Xavier), sem ter a medida exata da periculosidade do garoto. A interpretação visceral de Assunção encantou a Croisette, atraindo elogios nas muitas línguas que comparecem a Cannes.

Fábio Assunção: 'O cinema sempre chega na minha vida em momentos que não se espera, seguindo o tempo dele'

Fábio Assunção em 'Motel Destino' | Foto: Divulgação

A convivência com um diretor com Karim Aïnouz levou Fábio Assunção a adotar outros métodos de trabalho para construir seu personagem. O ator ainda não consegue dimensionar o imapacto que 'Motel Destino' dará à sua trajetória no cinema, mas revela que pretende atuar em novos filmes autorais. Na entrevista a seguir, ele fala deste filmaço cearense e de seu trabalho mais recente no teatro, a peça "Férias", no qual divide o palco com Drica Moraes.

Sua (notável) interpretação vem sendo um dos focos dos elogios recebidos por "Motel Destino" desde Cannes, o que reverberou na abertura do recém-encerrado Festival de Gramado. De que maneira a experiência com Karim Aïnouz amplia seus horizontes no cinema e estende seu ferramental dramático?

Fábio Assunção: Foi muito bacana ter conhecido Cannes com um filme que representasse o Brasil. Não sei ainda o que a participação lá há de trazer, mas o processo de feitura em si foi algo marcante para mim. Sou um ator de processos, que valoriza mais os meios do que os fins. Nunca tinha composto um personagem a partir de um método como o de Karim. Ele é um diretor capaz de unir disciplina e liberdade de uma forma difícil de ser conciliada. Uma das etapas dessa criação me levou a só tomar café da manhã durante dois meses, para que eu perdesse massa e meu corpo se moldasse ao que estávamos contando. Eu estudava as anotações que fazia e, no set, estava aberto às coisas que o Karim soprava ao meu ouvido, instigando a criação.

Karim é hoje um dos cineastas mais prestigiados da América Latina e ele entra no seu repertório de cinema integrando um time muito peculiar de cineastas autorais com quem você trabalhou, como é o caso de José Eduardo Belmonte e Paulo Caldas. Já é possível, diante desse quadro de colaboradores, entender qual é a trajetória que você vem trilhando na telona?

O cinema sempre chega na minha vida em momentos que não se espera, seguindo o tempo dele. É diferente do que eu vivo no teatro. Veja o caso da minha peça atual, "Férias". Num período muito curto de tempo, a Drica Moraes falou comigo de a gente fazer alguma coisa junto, surgiu um texto, a gente ensaiou por dois meses, entramos em cartaz e já somamos 10 semanas de casa cheia, a partir de uma estreia em São Paulo, contabilizando ao todo cerca de 22 mil espectadores. Foi tudo muito rápido. No cinema, a gente filma sem saber quando a produção vai ser finalizada ou quando vai estrear, mas gosto de fazer filmes e espero poder mergulhar mais profundamente no cinema autoral.

O que esse dono de motel, duro e violento, que é o Elias, representa quando se analisa o homem brasileiro, nossos arquétipos masculinos?

Ele é um cara muito ferrado e solitário, bastante abusivo, com a certeza de que a Dayana não é a mulher da vida dele. É só uma mulher a quem ele quer perto, numa relação de poder. É um cara que fez uma besteira grande no Sudeste, no Rio, e tem conexões com a polícia. Ele vive confinado num lugar distante, que parece o ambiente de "Bates Motel" ou de "O Iluminado". Ali, ele se mostra um homem sem futuro, mas eu não tento engessá-lo num rótulo. Gosto de personagens que me permitem uma leitura dúbia: alguém que parece uma coisa, mas está pensando outra. O que eu busco é colocar vulnerabilidade nessas figuras.

O que o texto de Jô Bilac, em "Férias", traz de mais rico para esse seu interesse em figuras vulneráveis?

Essa peça é uma celebração, com tudo de bom que a Drica tem para dar ao público e tudo o que eu tenho a oferecer. É a história de um casal que comemora seus 25 anos de casados com um cruzeiro, cercados por todos os perrengues que a viagem pode oferecer. Acho que todo mundo se vê nesses personagens, que lidam com a alegria e com o amor, dois valores que a gente precisa aprender a trocar com as pessoas. A direção da Débora Lamm e do Enrique Diaz é fundamental para que a gente possa estabelecer uma troca que leve afeto às plateias. A alegria é o hit do momento no mundo, sobretudo depois dos quatro anos de terror que a gente viveu no Brasil, com as pessoas se odiando. A covid-19 também nos deixou uma lacuna afetiva terrível. Talvez por isso, os teatros estejam cheios no país, pois as peças estão conseguindo reconectar as pessoas.

Quais são seus planos profissionais para os próximos meses?

Drica e eu pretendemos uma turnê com "Férias" pelo país e eu tenho um compromisso com a nova novela da Alessandra Poggi ("Garota do Momento") pelos próximos meses. Sobre o cinema, vamos ver como a participação em Cannes de "Motel Destino" possa reverberar.