Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Almodóvar em 360°

Tilda Swinton e Julianne Moore em 'The Room Next Door', que concorre ao Leão de Ouro | Foto: Divulgação

Repleta de medalhões autorais, entre eles o diretor brasileiro Walter Salles (com seu esperado filme "Ainda Estou Aqui"), a competição pelo Leão de Ouro do Festival de Veneza arranca no dia 28 de agosto com a promessa de estrear o primeiro longa-metragem em língua inglesa do espanhol Pedro Almodóvar: "The Room Next Door". "La Habitación De Al Lado" vai ser seu título ibérico e suas estrelas são Tilda Swinton (com quem ele rodou o curta "A Voz Humana") e Julianne Moore, além de John Turturro e Alessandro Nivola.

Ao sair do Lido, despedindo-se de terras italianas, a produção aporta no mais prestigiado evento cinematográfico da pátria natal do realizador, nascido nos arredores de La Mancha: o Festival de San Sebastián, que vai de 20 a 28 de setembro. Lá, sua projeção integra uma homenagem à produção almodovariana, com direito a um prêmio honorário pelo conjunto da carreira do diretor: o troféu Donostia.

Em meio à premiação, o público local vai conferir "The Room Next Door". A trama fala de Ingrid (Tilda) e Marta (Julianne), que eram amigas íntimas em sua juventude. Trabalharam juntas na mesma revista, mas Ingrid se tornou uma romancista de autoficção, enquanto Marta se tornou repórter de guerra, e elas foram separadas pelas circunstâncias da vida. Depois de anos sem contato, elas se reencontram em uma situação extrema, mas estranhamente doce, onde tudo em suas rotinas há de mudar. Já se fala em Oscar para Almodóvar e suas estrelas.

Aliás, fala-se do realizador em diferentes vias, começando pelo streaming, uma vez que ele faz sucesso na MUBI com o curta de faroeste "Extraña Forma de Vida", que lançou em 2023. Ao mesmo tempo, no Brasil, ele mobiliza livrarias com o lançamento nacional da coletânea de contos "El Último Sueño", editado na Europa pela Reservoir Books e traduzido em português pela Cia das Letras. Em 12 narrativas curtas, o artista por trás de sucessos das telas como "Fale Com Ela" (Oscar de Melhor Roteiro em 2003) abarca sua própria vida, da década de 1960 até os dias de hoje, quando totaliza (só) 172 prêmios referentes à sua filmografia multicolorida.

"Há um limite entre o que a gente é e o que gostaria de ser. Esse limite é crucial para o amor e as histórias que a gente conta sobre o amor", disse Almodóvar em Cannes, numa masterclass após a projeção de "Extraña Forma de Vida", hoje encontrável no www.mubi.com. "Os meus filmes iniciais tinham muito sexo explícito. Carregava nessas tintas. Hoje, ao rever algumas sequências que filmei no passado, sinto preguiça, pois prefiro expressar o desejo de outro modo".

Além de "O Último Sonho", um outro livro assinado por Almodóvar repousa com destaque nas prateleiras das melhores lojas do Brasil (e na Amazon). É um deslumbre o trabalho editorial que a Planeta, em seu selo Tusquets, fez com duas incursões do diretor manchego pela seara das Letras: "Patty Diphusa" (1991) e "Fogo nas Entranhas" (1981). Os dois textos, publicados num período de dez anos, relativos a uma das fases de maior tônus contracultural da obra do diretor de "Tudo Sobre Minha Mãe" (ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2000), foram reunidos num só volume, traduzido por Eric Nepomuceno, com direito a um delicioso texto de orelha da cantora e performer Letrux.

Sensualidade é um substantivo essencial à edição brasileira que a Tusquets fez dos escritos de Almodóvar. A primeira parte dessa nova versão de sua prosa em língua portuguesa traz as memórias devassas da ninfa Patty Diphusa, uma estrela de filmes adultos que, ao contar suas experiências mais íntimas, reflete sobre a cena de Madri na década de 1980, regada a sexo e drogas. Trata-se de uma mulher que nunca dorme, ligada nos 220 volts do querer. Já "Fogo nas Entranhas", editado aqui no passado pela Dantes, é protagonizada por um grupo de cinco mulheres, cujas vidas se cruzam pelo mútuo envolvimento com um chinês sentimental, dono de uma fábrica de absorventes íntimos e que, de tanto ser traído por suas amadas, acaba se tornando um vilão.

Estima-se que, após a badalação veneziana a ser feita com "The Room Next Door", San Sebastián receba novas edições de livros ibéricos sobre a obra de Almodóvar, de modo a ampliar sua visibilidade em outras mídias.