Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Susanna Lira: 'Fernanda Young não era uma unanimidade porque falava o que pensava'

Susanna Lira, cineasta | Foto: Divulgação

 

Documentarista brasileira mais prolífica da atualidade, com um pé nas séries de streaming e outro em curtas e longas-metragens para a tela grande, Susanna Lira anda às voltas com seu primeiro filme de ficção, "#SalveRosa", já em set. Neste fim de semana, contudo, a diretora de "Damas do Samba" (2013) mantém um olho nos compromissos de rodagem e outro nas salas de exibição que acolhem a estreia de sua expressão poética mais recente: "Fernanda Young, Foge-me Ao Controle".

Ganhador do Prêmio da Crítica no Festival de Paraty, no início de agosto, a produção fez sua primeira exibição no É Tudo Verdade, em abril, e teve apresentação honorária na Caixa Cultural, na última terça, na abertura da mostra Faróis do Cinema. Sua estrutura estética é um turbilhão de colagens, seja de desenhos, fotos, trechos de performances, entrevistas e seriados de TV.

A cada projeção, o longa é abraçado numa unanimidade torta, sintonizada com o espírito cri-cri da romancista, poeta e apresentadora que documenta. Há quem ame o corta-e-cola da narrativa (mais ousada, até hoje) da realizadora de "Torre das Donzelas" (2018), mas se encrespe com a verborragia filosófica de seu objeto de estudo. O filme fala uma autora que fazia do verbo "irritar" seu aríete. Fernanda morreu em 2019, aos 49 anos, em decorrência de uma crise de asma. Ela dizia que "reclamação é uma forma de otimismo". Era sua forma de se apresentar. Para alguns, isso é indigesto, mas tem quem enxergue fofura numa leva de depoimentos da própria personagem (pois tudo o que se ouve, fora uma ou outra pergunta de Marília Gabriela em arquivos, é em primeira pessoa) sobre vida familiar e alianças. A mais tocante delas: "Meu marido tem a função de organizar minhas alterações de humor", diz, referindo-se ao companheiro, o publicitário e roteirista Alexandre Machado. Ou seja, é um filme de saldos receptivos antitéticos, mas, é um filme adorável.

Na entrevista a seguir, Susanna analisa a persona de FY.

Que mítica a escritora Fernanda Young criou em torno de sua personalidade e o que ela simboliza para a sua geração como autora e performer?

Susanna Lira: Eu acho que a Fernanda foi uma voz feminina muito importante especialmente para minha geração. Cheguei a estudar com ela no segundo grau e depois acompanhei toda a carreira dela. Entrevistei-a logo depois que ela teve suas filhas, gêmeas. Foi um relato sobre as agruras da maternidade de uma honestidade e de uma transparência impressionantes. Sinto que a grande importância dela é exatamente não ter medo de falar aquilo que a verdade da gente sabe, de tirar esses tabus em torno de assuntos femininos como maternidade. É interessante ver como essa voz feminina corre de uma forma ácida, polêmica, sem o desejo de agradar o tempo inteiro. Ela pagou um preço. Acho que ela não era uma unanimidade, justamente porque ela falava o que pensava. Fernanda foi uma mulher que assustava muita gente, porque a gente sabia que dela viria muita verdade. Tem uma frase no filme de que eu gosto muito: "eu quero ser lambida pela coragem". Essa é a grande mítica em torno dela.

A crítica, de forma quase unânime, vê esse filme sobre Fernanda Young como seu exercício de linguagem mais radical. De que maneira você enxerga, de forma consciente, o lugar desse filme na sua relação de pesquisa com as narrativas documentais?

Há muito tempo eu venho pesquisando linguagem e o longa "Nada Sobre Meu Pai" (lançado no festival É Tudo Verdade em 2023) também é um filme que tem uma linguagem muito específica. Eu já fiz várias biografias e eu queria nessa, nesse novo longa, chegar bem próximo do que seria a Fernanda Young fazendo a própria biografia. Além de usar uma narrativa na primeira pessoa, eu queria evocar a forma que ela tinha de se expressar. A gente mergulhou numa pesquisa para tentar traduzir para o mundo o que era a Fernanda. Eu acho que esse documentário reflete bastante da personalidade dela, esse labirinto caótico, mas, ao mesmo tempo, muito interessante e muito provocador. Esse desafio poético que o filme traz é realmente um passo a mais e eu concordo bastante com a crítica em relação a isso.

Quais são os novos caminhos do seu cinema daqui pra frente, ou seja, que novas frentes estão para se abrir em filmes e séries, em .docs e ficção?

O meu próximo documentário vai ser sobre o Gonzaguinha. Vou fazer um recorte sobre a censura e sobre como ele lidou com essa questão. Neste momento, eu estou filmando "#SalveRosa". É o meu primeiro longa de ficção, embora eu já tenha dirigido duas séries ficcionais. Fui convidada pela produtora Panorâmica para dirigir. É sobre um assunto muito contemporâneo (o fenômeno dos criadores de conteúdo e sua exposição nas redes sociais) e acho que vai ter bastante das minhas inquietudes. É com a Karine Teles e com a Klara Castanho. Estou querendo cada vez mais dirigir ficção. Nunca vou deixar de fazer documentários, mas quero experimentar outras searas também.