Gramado, teu nome é resistência
Sem aeroporto de Porto Alegre, equipes buscam soluções para ir ao maior festival do cinema brasileiro, que batalhou para acontecer este ano após tragédia no RS
O Festival de Cinema de Gramado teve início na última sexta-feira (9) marcado pelo desafio logístico de oferecer um evento de abrangência nacional no Rio Grande do Sul após as enchentes de maio, que impuseram o fechamento do Salgado Filho. O principal aeroporto do estado permanece fechado. Mesmo sob incertezas de todo tipo, Gramado manteve o festival na data em que estava programado.
A grade sofreu poucas alterações e o evento tem produções nacionais de peso na disputa, além da exibição de "Motel Destino", de Karim Aïnouz, que concorreu à Palma de Ouro em Cannes, e da série "Cidade de Deus: A Luta Não Para", de Aly Muritiba, diretor de "Cangaço Novo".
"Em nenhum momento pensamos em adiar ou cancelar o festival. Por pior que seja o desafio, é a maneira de dizer que continuamos, é nossa obrigação com produtores e diretores que o prestigiam há 51 anos", diz Tatiana Ferreira da Silva, diretora de eventos da Gramadotur, autarquia municipal que cuida dos eventos da cidade da Serra Gaúcha.
Para suprir a ausência do aeroporto de Porto Alegre, o transporte de atores, convidados e equipes é pulverizado em quatro aeroportos. Depois, as viagens de carro a Gramado vão de cerca de duas a seis horas, se a origem for Santa Catarina. Em alguns casos, voos são remarcados, pois terminais da serra costumam ter condições impróprias.
Além de Canoas, que substitui o aeroporto de Porto Alegre, com capacidade muito inferior, passageiros de outros estados podem descer em Caxias do Sul, Jaguaruna, em Santa Catarina, ou Florianópolis.
"Isso impacta no público, ainda não temos o dado final, mas as equipes estão vindo do jeito que podem", diz Silva. Os curtas, por exemplo, seriam transmitidos apenas pelo Canal Brasil, mas os realizadores fizeram questão de comparecer — 13 das 14 equipes estarão no Palácio dos Festivais.
Mais de 1.100 filmes foram inscritos, entre curtas nacionais e gaúchos, documentários e longas. Sete obras disputam o Kikito. Para os curadores, o ator Caio Blat e o crítico Marcos Santuário, a marca da edição é a diversidade temática — do feminismo ao faroeste — e a presença feminina.
Dos sete longas, quatro são dirigidos por mulheres. "Pasárgada" é a estreia de Dira Paes na direção, com Humberto Carrão e Cássia Kis no elenco, numa trama sobre o tráfico de animais exóticos na Amazônia. "Cidade; Campo", de Juliana Rojas, aborda a difícil relação entre esses dois polos; "Filhos do Mangue", de Eliane Caffé, trata de violência doméstica; e "O Clube das Mulheres de Negócio", de Anna Muylaert, inverte os gêneros de homens e mulheres.
Disputam ainda o faroeste "Oeste Outra Vez", de Erico Rassi, "Estômago 2: O Poderoso Chef", de Marcos Jorge, 15 anos após o primeiro filme, e "Barba Ensopada de Sangue" de Aly Muritiba, que adapta livro de Daniel Galera.
"Há um simbolismo forte de resiliência e superação diante de tudo que aconteceu com o Rio Grande do Sul. E o setor cultural está num momento de retomada, a gente teve um governo que tentou acabar com o audiovisual e agora temos números muito expressivos de retorno", diz Blat, no seu segundo ano consecutivo como curador do festival.
Segundo Santuário, o evento ficou esquecido por um tempo para o cinema nacional, cenário que ele vê se reverter. "As produções brasileiras mais desejadas têm sido selecionadas e, se os filmes não são inscritos, corremos atrás deles", diz ele, curador desde 2012, tendo assumido a empreitada com José Wilker. "Estou feliz porque a maioria das produções que desejo ver serão exibidas."