Panteão se abre para Adam Sandler
Aplaudido na Berlinale, o astro mais bem-sucedido da comédia americana desde o fim da década de 1990 é citado com destaque em lista dos melhores filmes dos anos 2000
Listas cinéfilas são sempre polêmicas, sobretudo aquelas com caráter oficial como as da revista "Cahiers du Cinéma", que sempre propõe um top 10 de iguarias, vide a de 2023, que foi encabeçado por um longa-metragem argentino de quatro horas, dividido em duas partes: "Trenque Lauquen". O periódico que mais investe em enquetes - sempre das mais polêmicas - é a "IndieWire", que convoca votantes do mundo todo para opinar em suas votações. Esta semana, a publicação liberou em seu site oficial uma seleção dos melhores filmes da primeira década do século XXI, os anos 2000, assumindo "AI - Inteligência Artificial" (2001), de Steven Spielberg, como seu número 1.
Grandes sucessos de público e quindins da crítica lançados até 2009 foram incluídos pelos votantes, como a trilogia "O Senhor dos Anéis" e o .doc brasileiro "Jogo de Cena" (2007), de Eduardo Coutinho (1933-2014). Curiosamente, o aspecto que mais chamou a atenção do público leitor não foi a diversidade de cineastas lembrados (Claire Denis, Agnès Varda, Spike Lee, Hayao Miyazaki, Sofia Coppola, Lars von Trier, Lucrecia Martel, Ang Lee, Christopher Nolan) mas, sim, a escolha de um ator, muitas vezes associado a uma ideia de mediocridade estética no passado, como um dos destaques das narrativas contemporâneas.
O astro em questão: Adam Sandler. Ele aparece na apuração representado por "Embriagado de Amor", de Paul Thomas Anderson (Prêmio de Melhor Direção no Festival de Cannes de 2002), e em "Tá Rindo Do Quê?", de Judd Apatow (de 2009). Essa dupla escolha reflete o reposicionamento de uma das estrelas mais populares do planeta em atividade, que volta à ribalta do audiovisual no próximo dia 27 com a estreia de "Adam Sandler: Love You" na Netflix.
Trata-se de uma versão para as telas de seu espetáculo stand-up, no qual o ator canta e faz piada com aquele seu jeitão muito peculiar de atuar. Jeitão este, aliás, que vem arrebatando elogios e prestígio mundo afora (um pouco como aconteceu com Jerry Lewis na virada dos anos 1950 para a década de 1960), ocupando novos e consagradores espaços. Um dos indícios de que ele virou cult foi a inclusão de seu longa mais recente, a sci-fi "O Astronauta" ("Spaceman") no Festival de Berlim.
Convocado para dividir com George Clooney o protagonismo do novo longa de Noah Baunbach ("Jay Kelly", já rodado), o comediante, roteirista e produtor de 57 anos participa ainda da nova trama dos irmãos Josh e Benny Safdie, diretores responsáveis por seu trabalho mais badalado nos últimos 20 anos: "Joias Brutas" (2019).
Mas tudo o que tem pela frente ganha um novo e mais respeitável colorido a julgar pela consagração da "IndieWire" e pela boa acolhida ao drama estelar, com aura de ficção científica, exibido em fevereiro na Berlinale. Historicamente conhecido por valorizar tramas de tons políticos (vide "Tropa de Elite", laureado com o Urso de Ouro de 2008), o evento germânico abriu vaga em sua sessão hors-concours para essa produção, hoje na grade da Netflix, à luz do carisma de Sandler.
"Fico realmente muito feliz com o carinho do público brasileiro. Se 'Como Se Fosse a Primeira Vez' passa tanto assim nas TVs de vocês, eu tenho que começar a receber os cheques por isso", brincou Sandler em Berlim, em resposta ao Correio da Manhã, ao saber do êxito da comédia romântica que fez com Drew Barrymore.
Com seu espírito zoador, o comediante está desenvolvendo uma sequência de seus longas mais gaiatos: "Um Maluco No Golfe" (1996). O filme pode ser visto na Amazon Prime e ilustra o espírito galhofeiro do ator, que já se arriscou pelas veredas do drama várias vezes, com destaque para o já citado "Embriagado de Amor", que encantou a "IndieWire". Em 2007, "Reine Sobre Mim" também explorou sua habilidade de levar plateias ao choro, assim como fez o esquecido "Homens, Mulheres & Filhos" (2014). Sob a batuta de Renck, em "O Astronauta", ele dá um largo passo além.
Existem muitos pontos de virada no caminho de Sandler, encarado como o mais rentável nome da comédia americana no audiovisual desde 1998, ano do inesperado fenômeno "O Rei da Água". Um deles foi sua indicação ao Prêmio Anual do Sindicato dos Atrizes e Atores de Hollywood. Ao selecionar as melhores interpretações de 2022 pra cá, o Screen Actors Guild indicou o midas da gargalhada para concorrer à sua estátua pelo bom desempenho dele em "Arremessando Alto" ("Hustle", 2022), de Jeremiah Zagar. Ele não levou o troféu, mas ampliou seu prestígio. Esse título é um drama esportivo com toques de humor (de leve) hoje que está em cartaz na Netflix.
Muitos personagens de Sandler são furiosos, vide a figura que encarna em "Tratamento de Choque" (2003), mas ele sempre humaniza os tipos que encarna. É por essa humanidade que ele hoje frequenta o panteão das telas.