Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Michael Keaton ainda se diverte (e nós, também)

Hollywood disse o nome Besouro Suco três vezes e Michael Keaton voltou a ser Beetlejuice para lotar os cinemas | Foto: Divulgação

 

Dez anos depois de abrir o Festival de Veneza com "Birdman (ou A Inesperada Virtude da Ignorância)", que lhe rendeu um Globo de Ouro e uma merecida indicação ao Oscar, Michael John Douglas Keaton retornou à terra das gôndolas, novamente incumbido de abrir a corrida pelo Leão de Ouro, agora na pele de um de seus personagens mais icônicos: o Besouro Suco, ou melhor, Beetlejuice. Há uma semana, o Lido, onde o evento veneziano se passa, rendeu-se ao regresso do bio-exorcista, um espírito zombeteiro surgido em 1988 em "Os Fantasmas Se Divertem", um híbrido de comédia e thriller sobrenatural, nas raias do terrir, que custou US$ 15 milhões e faturou US$ 75 milhões.

Seu êxito estampou o carimbo de promissor na carteira de trabalho de seu então jovem cineasta, Timothy Walter Burton, que vinha do departamento de animação da Disney. A boa acolhida que se viu à época pediu bis na projeção na Itália de sua sequência, que estreia hoje com a promessa de se tornar um blockbuster - ou, no mínimo, um mata-saudades de quem cresceu como o original. Há um elenco estelar em cena nessa parte dois, na qual Monica Bellucci se destaca no papel de uma sugadora de almas, e há a assinatura autoralíssima de Burton.

O chamariz principal, entretanto, é o carisma de um ator de 72 anos, revelado à Hollywood na década de 1980, pelas veias da comédia (com "Corretores do Amor" e "Mr. Mom: Dona de Casa por Acaso"), reinventado como herói ao viver o Homem-Morcego, em 1989. O Batman de Keaton, eleito pela comunidade nerd a melhor de todas as encarnações do vigilante, volta às telonas no próximo dia 19, em meio à comemoração dos 85 anos do Cruzado Encapuzado de Gotham City.

Sua direção também foi assinada por Burton, que ajudou a fazer de Keaton um de seus musos. Um muso inquieto, que se firma agora também como cineasta. No próximo dia 26, enquanto "Os Fantasmas Ainda se Divertem - Beetlejuice Beetlejuice" ainda estiver arrebanhando plateias, Keaton vai retornar ao circuito brasileiro com "Pacto de Redenção" ("Knox Goes Away"), que estrela e dirige. Ele já havia assumido essa dupla função em "Má Companhia" ("The Merry Gentleman", 2008), que marcou sua estreia como diretor.

Sua nova empreitada por trás câmeras conseguiu mais prestígio do que seu debute, não só pela sua maturidade (notável) na condução do set, mas também por sua (boa) atuação na pele do assassino profissional John Knox, que, no apogeu de sua carreira, é diagnosticado com uma doença que afeta sua memória. Nas garras do Alzheimer, ele busca uma segunda chance com seu filho Miles (James Marsden), que está metido numa encrenca perigosa.

Conforme a saga de Knox corre o mundo, Keaton desfruta dos elogios pela volta de Beetlejuice aos holofotes. Em "Os Fantasmas Ainda Se Divertem", sua ex-noiva, a apresentadora de TV Lydia Deetz (Winona Ryder), é obrigada a evocar o ferrabrás do Além - dizendo seu nome três vezes - para que ele possa ajudá-la a salvar sua filha, Astrid, vivida por Jenna Ortega, estrela da série da Netflix "Wandinha", idealizada por Burton. A jovem corre perigo de ficar presa para sempre no Umbral. Com seu caráter nada confiável, o Besouro Suco vai tentar ludibriar Lydia e encontrar meios de dar um olé em um amor de seu passado centenário, a espectral Delores, que arranca de Bellucci um desempenho impecável.

Tem muita situação sinistra em cena, muitas referências cinéfilas de luxo (vide um tributo ao artesão do medo Mario Bava), mas Keaton faz a gente rolar de rir, comprovando o quanto a experiência requintou seu ferramental cênico. Recentemente, a indústria pop deu a ele um Emmy e outro Globo dourado (por "Dopesick") e saiu oferecendo-lhe bons papéis, vide "Fome de Poder" (2016). Ele teve até a chance de voltar a patrulhar Gotham no subestimado "The Flash" (2023), do argentino Andy Muschietti, hoje na grade do streaming MAX. Antes dele, o astro viveu o Morcegão no longa "Batgirl", que a DC engavetou, alegando não ter espaço para desová-lo nem em sua plataforma digital. Beetlejuice teve melhor sorte.

 

CRÍTICA FILME - OS FANTASMAS AINDA SE DIVERTEM: BEETLEJUICE BEETLEJUICE: Uma alegoria política (e sombria) dos EUA

Michael Keaton em 'Os Fantasmas Ainda Se Divertem - Beetlejuice Beetlejuice' | Foto: Divulgação

Dos múltiplos matrimônios profissionais que Tim Burton contraiu ao longa de uma carreira iniciada em 1979 - vide sua longeva parceria com Johnny Depp -, nenhum parece mais feliz e mais frutífero do que seu casamento estético com o músico Danny Elfman, titular das trilhas de seus melhores longas. Colírio para olhos cansados de efeitos visuais forjados à regra dos algoritmos, apoiado numa direção de arte entre o lúdico e o sinistro, "Os Fantasmas Ainda se Divertem - Beetlejuice Beetlejuice" é também um oásis para os tímpanos, na linha melódica particularíssima de Elfman.

As batidas taquicárdicas de suas composições se alternam aqui com hits como "Tragedy", dos Bee Gees (deliciosamente empregada). Elfman e mais uma leva de baladas e sucessos da era disco embalam a vida (e a morte) numa cidadezinha, Winter River, com jeitão de bairro de subúrbio. O local ilustra uma obsessão burtoniana: investigar os cafundós de uma América que não parece metrópole, assolada por um ar provinciano, cheia de disse-me-disse, onde a privacidade alheia é alvo de futrica.

Nesse mundinho que o diretor esquadrinha filme a filme, a banalidade é tanta que os mortos parecem mais felizes do que os vivos. Não por acaso, seu símbolo maior, Beetlejuice, é um diabo que exorciza gente, uma gente que volta em Trump. Mais do que um divertido retorno às origens de um cineasta de gramática personalíssima, aberto a um diálogo com a animação artesanal, a nova estripulia de Besouro Suco é um gesto político que tenta repensar a geografia moral americana a partir de suas entranhas. A inquietude cômica de Michael Keaton agita essa reflexão. (R. F.)