Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Melodrama em inglês de Pedro Almodóvar leva o Leão de Ouro

'The Room Next Door' marcou a estreia do realizador de "Fale Com Ela" (2002) na direção de longas de língua inglesa, apoiado nos talentos de Tilda Swinton e Julianne Moore. | Foto: Divulgação


Pouco minutos depois de coroar o Brasil com o prêmio de Melhor Roteiro, dado a Murilo Hauser e Heitor Lorega pelo script de “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, o Festival de Veneza pôs um ponto final em sua 81ª edição convidando o espanhol Pedro Almodóvar ao palco para receber sua honraria mais cobiçada, o Leão de Ouro, confiada a ele pela excelência do (melo)drama “The Room Next Door”.

O longa-metragem marcou a estreia do realizador de “Fale Com Ela” (2002) na direção de longas de língua inglesa, apoiado nos talentos de Tilda Swinton e Julianne Moore. Trata-se de uma narrativa sobre amigas que se reencontram num cenário de eutanásia. A trama fala de Ingrid (Tilda) e Marta (Julianne), que eram íntimas em sua juventude. Trabalharam juntas na mesma revista, mas Ingrid se tornou uma romancista de autoficção, enquanto Marta se tornou repórter de guerra, e elas foram separadas pelas circunstâncias da vida. Depois de anos sem contato, elas se reencontram em uma situação extrema, onde tudo em suas rotinas há de mudar. Já se fala em Oscar para Almodóvar e suas estrelas. “É meu primeiro filme em inglês, mas o espírito é espanhol”, disse Almodóvar, clamando pelo direito à liberdade em relação à escolha de pessoas que optam por morte assistida.

Antes da vitória de Almodóvar, o palco veneziano foi mobilizado pela entrega do Grande Prêmio do Júri, que coube a uma produção italiana: “Vermiglio”, de Laura Delpero. Seu enredo retrata o impacto da chegada de um desertor na vida de uma família na Europa de 1944. Foi a diva francesa Isabelle Huppert (indicada ao Oscar por “Elle”) quem chefiou o time de juradas e jurados de prestígio da competição deste ano, incluindo o diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho (“O Som Ao Redor”). Ao lado de Kleber, sob os auspícios de Isabelle, estavam nas deliberações a atriz chinesa Zhang Ziyi e uma turma de cineastas que inclui o mauritano Abderrahmane Sissako, o americano James Gray, o britânico Andrew Haigh, a alemã Julia von Heinz, a polonesa Agnieszka Holland e o italiano Giuseppe Tornatore.

Essa turma assegurou o reconhecimento internacional de “Ainda Estou Aqui” ao premiar seus roteiristas. Produzido por Rodrigo Teixeira (de “A Vida Invisível” e “O Farol”), o longa brasileiro marca a volta de Walter à ficção 12 anos depois de “On The Road” (“Na Estrada”). Sua trama, baseada em romance biográfico homônimo de Marcelo Rubens Paiva, é ambientada no Rio de Janeiro do início dos anos 1970, quando o país enfrenta o endurecimento da ditadura militar, pós AI-5. No epicentro da dramaturgia há uma família, os Paiva: Rubens (Selton Mello), Eunice (Fernanda Torres), filhas e filhos. Eles vivem na frente da praia, numa casa de portas abertas para os amigos, com música e alegria reinantes. Vivem assim até o dia em que Rubens é levado por agentes do governo à paisana e desaparece. Eunice - cuja busca pela verdade sobre o destino de seu marido se estenderá por décadas - é obrigada a se reinventar e traçar um novo futuro para si, para sua prole e para a luta pela liberdade.

Em 1998, Walter ganhou o Urso de Ouro na Berlinale, na capital alemã, por “Central do Brasil”, que o levou a disputar o Oscar. Tinha Fernanda Montenegro a seu lado. Ela volta a escudá-lo em “Ainda Estou Aqui”, vivendo Eunice em idade mais madura.

Em meio à análise dos concorrentes ao Leão dourado de 2024, Isabelle atribuiu a láurea de Melhor Direção ao americano Brady Corbet por “The Brutalist”, que recebeu ainda o Prêmio da Crítica, da Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica. Em sua trama, o arquiteto visionário László Toth (Adrien Brody) e sua esposa Erzsébet (Felicity Jones) fogem da Europa do pós-guerra em 1947 para reconstruir seu legado nos EUA, onde testemunham o nascimento da América moderna. Lá, suas vidas são mudadas para sempre por um cliente misterioso (Guy Pearce).

Ao anunciar a atriz que ganharia a Coppa Volpi, a láurea de Melhor Interpretação de Veneza) Huppert convocou a estrela australiana Nicole Kidman, coroada por “Babygirl”. Ela vive uma executiva todo-poderosa que embarca numa relação extraconjugal com um homem mais moço. Um dos atores mais badalados da França, Vincent Lindon, que presidiu o júri de Cannes em 2012, conquistou o troféu de Melhor Atuação Masculina por “Jouer Avec Le Feu”, sobre um pai de filha que confronta a aproximação de sua família a ideologias de extrema direita. Houve ainda um prêmio especial de interpretação, o troféu Marcello Mastroianni, dedicado a jovens intérpretes, confiado a Paul Kircher (filho de Irène Jacob) por “Leurs Enfants Après Eux”.

Revelada em 2020, em plena pandemia, ao conquistar a Concha de Ouro em terras ibéricas por “Beginning”, a diretora Dea Kulumbegashvili, da Geórgia, confirmou seu prestígio conquistado em anos recentes ao receber o Prêmio Especial do Júri de Veneza por “April”. É um drama sobre uma obstetra acusada de negligência.

Um dia antes do anúncio do palmarês oficial, Veneza anunciou a pernambucana Marianna Brennand como ganhadora do GDA Director’s Award, o principal prêmio da mostra paralela Giornate Degli Autori, por “Manas”. Seu filme narra a história de Marcielle/Tielle (Jamilli Correa), uma jovem de 13 anos que vive na Ilha do Marajó (PA) junto ao pai, Marcílio (Rômulo Braga), à mãe, Danielle (Fátima Macedo), e a três irmãos. Ela cultua a imagem de Claudinha, sua irmã mais velha, que teria partido para bem longe após “arrumar um homem bom” nas balsas que passam pela região. Conforme amadurece, Tielle vê ruírem muitas das idealizações que construiu e se percebe presa entre dois ambientes abusivos. Preocupada com a irmã mais nova e ciente de que o futuro não lhe reserva muitas opções, ela decide confrontar a engrenagem violenta que rege a sua família e as mulheres da sua comunidade.

Também há DNA brasileiro no filme ganhador do Queer Lion (a láurea LGBTQIPA+ do evento), “Alma do Deserto”, de Mônica Taboada-Tapia. Essa coprodução Colômbia x Brasil acompanha o dia a dia de Georgina, uma mulher trans da etnia Wayúu, que luta para obter seu direito básico de ter uma identidade reconhecida. Após perder seus documentos em um incêndio criminoso, provocado pelos próprios vizinhos que não aceitavam sua presença, Georgina embarca em uma jornada de resiliência e coragem para recuperá-los. Apenas com seus documentos recuperados, ela pode exercer direitos civis fundamentais, como o direito ao voto nas eleições colombianas.

Terminadas as atividades de Veneza, o ciclo dos grandes festivais de cinema segue com o início da 72ª edição da maratona cinéfila de San Sebastián, no norte da Espanha, que começa no próximo dia 20 com a nova versão de “Emmanuelle”, uma releitura do fenômeno comercial de 1974 feita por Audrey Diwan. Almodóvar vai projetar “The Room Next Door” por lá, antes de receber um prêmio honorário de seus conterrâneos, o troféu Donostia.

A premiação

Leão de Ouro: “The Room Next Door”, de Pedro Almodóvar
Grande Prêmio do Júri: Maura Delpero (“Vermiglio”)
Direção: Brady Corbet (“The Burtalist”)
Coppa Volpi Melhor Atriz: Nicole Kidman, por “Babygirl”
Coppa Volpi Melhor Ator: Vincent Lindon, por “Jouer Avec Le Feu”
Roteiro: Murilo Hauser e Heitor Lorega, por “Ainda Estou Aqui”
Prêmio Especial do Júri: “April”, de Dea Kulumbegashvili
Troféu Marcello Mastroianni de Melhor Atuação Estreante: Paul Kircher, por “Leurs Enfants Après Eux”
GDA Director’s Award: “Manas”, de Mariana Brennand
Queer Lion: “Alma do Deserto”, de Mônica Taboada-Tapia
Prêmio da Crítita: “The Brutalist”
Prêmio Luigi de Laurentis de Filme de Estreia: “Familiar Touch”, de Sara Friedland
Prêmio Orizzonti: “The New Year That Never Came”, de Bogdan Mureanu