Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Abderrahmane Sissako: 'A injustiça é a maior sequela do colonialismo'

O cineasta mauritano Abderrahmane Sissako chegou a disputar o Oscar, com 'Timbuktu' | Foto: Divulgação

Um devastador "Não!" dito por uma noiva no altar, antes de confirmar os votos nupciais, ecoa por cada tela onde "Black Tea - O Aroma do Amor" é exibido, reverberando como se fosse uma melodia de emancipação feminina. A palavra soa como um hino libertário que, mais adiante, há de embalar ainda um confronto decolonial, no enfretamento do racismo, afinado com a batalha humanista que torna a obra do realizador mauritano Abderrahmane Sissako um precioso patrimônio audiovisual em sintonia com o pleito pela erradicação da intolerância.

Em São Paulo, neste terça-feira (17), às 20h, é possível conferir essa iguaria ultrarromântica no Cinesesc (localizado na Rua Augusta, 2075), na grade da Mostra de Cinemas Africanos. Sissako se encontra no Brasil a convite do evento. Indicado ao Oscar, em 2015, por "Timbuktu", ele veio para cá logo depois de ter integrado o júri do Festival de Veneza - que contemplou "Ainda Estou Aqui", do carioca Walter Salles, com o prêmio de Melhor Roteiro. Nesta quinta, o realizador de 62 anos faz as malas e parte para a Bahia, onde começa a segunda parte da mostra que o trouxe. Seu filme, indicado ao Urso de Ouro da Berlinale, será exibido em Salvador, no Cineteatro 2, com a presença do diretor.

Originalmente chamado de "La Colline Parfumee", a love story egressa da Mautitânia estreia comercialmente no Brasil no dia 28 de novembro. Em "Black Tea", Sissako fala de diferentes amores (amor carnal; amor paterno; amor pela pátria) em meio à opressão da xenofobia. A trama começa na Costa do Marfim, no momento em que a jovem Aya (vivida brilhantemente por Nina Mélo) desiste de seu casamento, e se muda para Guangzhou, na China, em busca de reinvenção pessoal. Uma loja de chá vai funcionar como seu microcosmos. Porém, o contexto cultural de opressão racial será seu maior adversário.

Na entrevista a seguir, realizada em Berlim, Sissako explica ao Correio da Manhã que ranços colonialistas assombram o mundo que ele filma.

De que Áfricas o senhor fala em um filme como "Black Tea - O Aroma do Amor"?

Abderrahmane Sissako: É um olhar sobre as mulheres. Trago a perspectiva das mulheres que buscam a liberdade. Existem muitos clichês sobre a África, sobretudo o vitimismo. Meu empenho como artista é driblar esses lugares comuns.

Num périplo até a China, passando ainda por Cabo Verde, que fantasmas coloniais o senhor encontra? Aliás, como exorcizá-los?

A injustiça é a maior sequela do colonialismo. A forma que nós, como um continente, podemos reagir é refutar o controle histórico e buscar entender que medidas geográficas podem ser redutoras se aplicadas a pessoas, sobretudo num território de onde as populações, historicamente, imigram.

"Black Tea - O Aroma do Amor" também se perfuma de perplexidade, a julgar pela sequência de num jantar em que o racismo é exposto de forma direta, num diálogo de ódio. Como foi a estruturada a abordagem da intolerância racial no roteiro?

Busquei tratar do tema sob um foco geracional. Há um jovem chinês que refuta o racismo dos mais velhos. Era delicado operar a questão do racismo numa trama com chineses, para não associar a intolerância histórica a eles, como um povo. Mas é fato: os africanos foram rejeitados durante toda a História, por vários outros povos. A tal sequência do jantar de que fala é uma explosão que nos mostra a reação juvenil à intolerância. O futuro pode ser melhor. Eu acredito no ser humano.

Berlim se deslumbrou com a exuberância de seus enquadramentos dos campos de plantação de chá. Como sua fotografia foi estruturada?

Eu queria trabalhar com um fotógrafo que viesse da Ásia, mas acabei encontrando um francês que morou dez anos na China e fala mandarim: Aymerick Pilarski. Convidei-o para o filme não por sua intimidade com o idioma chinês, mas pela força visual de seu trabalho. O cuidado principal que tenho no meu cinema é alimentar a imaginação da plateia. A partir dela, tento investir numa construção de empatia.