Segunda-feira, a Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais bate o martelo acerca de quem pode representar o país na corrida por uma vaga na disputa do Oscar de Melhor Filme Internacional, partindo de uma lista de seis longas-metragens anunciada anteontem. Todos os candidatos tiveram destaque em mostras estrangeiras de prestígio: "Cidade; Campo", de Juliana Rojas; "Levante", de Lillah Halla; "Motel Destino", de Karim Aïnouz; "Saudade Fez Morada Aqui Dentro", de Haroldo Borges; "Sem Coração", de Nara Normande e Tião; e "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles, que será exibido no Festival de San Sebastián, na Espanha, no fim de semana.
Passa em telas ibéricas depois de ter arrebatado o prêmio de Melhor Roteiro em Veneza. Chega à seleção com status de "Já ganhou!", até pelo histórico de seu realizador, indicado à estatueta da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood em 1999, por "Central do Brasil". Há, contudo, muita discussão a ser feita, não só pela fortíssima tessitura estética de seus rivais, mas pelo simbolismo político e comportamental de cada um, o que conta muito num momento de revisionismo nos procedimentos da Academia e no cenário de radicais estratégias tomadas por outras nações a fim de concorrer nos EUA. Enquanto decidimos qual será nossa candidatura oficial, outros 45 países já fizeram suas escolhas.
Os dois nomes de maior relevo entre os títulos de outras nações já divulgados são "Dahomey", do Senegal, que deu o Urso de Ouro à diretora Mati Diop, e "The Seed of the Sacred Fig", que garantiu ao iraniano Mohammad Rasoulof três prêmios de peso no Festival de Cannes, em maio. Como esse diretor está sob condenação em seu país, por expor as brutalidades de seu governo, a produção, que será exibida no Festival do Rio (3 a 13 de outubro), concorre pela Alemanha, terra onde o cineasta buscou abrigo. Destaca-se ainda o irlandês "Kneecap", de Rich Peppiatt, revelado em Sundance (e hoje bem badalado no Reino Unido), e o português "Grand Tour", de Miguel Gomes, que saiu da Croisette com o Prêmio de Melhor Direção.
Depois de uma recente jornada pelo Toronto International Film Festival (TIFF), considerado um quintal da Academia, onde são colhidos os potenciais candidatos ao Oscar, "Ainda Estou Aqui" ampliou sua visibilidade global, arrebatando rasgados elogios da crítica. Produzido por Rodrigo Teixeira (de "A Vida Invisível" e "O Farol"), o drama brasileiro marca a volta de Walter Salles à ficção. Sua trama, baseada em romance biográfico homônimo de Marcelo Rubens Paiva, é ambientada no Rio do início dos anos 1970, quando o país enfrenta o endurecimento da ditadura militar, pós AI-5.
No epicentro da dramaturgia há uma família, os Paiva: Rubens (Selton Mello), Eunice (Fernanda Torres), filhas e filhos. Eles vivem na frente da praia, numa casa de portas abertas para os amigos. Vivem assim até Rubens ser levado por militares à paisana e desaparece. Eunice empreende por décadas a busca pela verdade sobre o destino do marido.
Em 1998, Walter ganhou o Urso de Ouro na Berlinale, na capital alemã, por "Central do Brasil", que o levou a disputar o Oscar. Tinha Fernanda Montenegro a seu lado. Ela volta a escudá-lo em "Ainda Estou Aqui", vivendo Eunice em idade mais madura.
Foi a mesma Berlinale que consagrou "Cidade; Campo", de Juliana Rojas, com o prêmio de Melhor Direção na mostra Encontros. Entre todos os longas que brigam pelo apreço dos votantes da Academia Brasileira, esse é único filme, além de "Ainda Estou Aqui", que poderia se cacifar bem na caça ao Oscar não apenas pelo vigor de sua estrutura formal, mas pelo modo como celebra a força feminina e como enfrenta tabus reincidentes na representação do amor queer. Seu roteiro se divide em dois hemisférios: num, uma agricultora que perdeu tudo na tragédia de Brumadinho se muda para a metrópole; noutro, um casal de namoradas vai tentar a sorte num sítio isolado.