Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Júlio Cavani: 'O cinema de animação brasileiro é tão diverso quanto a nossa própria cultura'

Julio Cavani, jornalista e cineasta | Foto: Victor Jucá/Divulgação

Rezam as boas línguas que o Anima Mundi vai voltar. Tomara, pois, com a interrupção (lá em 2019) da maior maratona das Américas quando o assunto é desenho, stop-motion, rotoscopia, uma cratera se abriu no ciclo evolutivo da produção audiovisual brasileira. Essa ferida cultural aberta só dói menos quando Júlio Cavani começa a mobilizar cineastas do país e do mundo para um festival que, lá de Pernambuco, irradia para o Brasil inteiro a certeza de que temos animações autorais em ebulição. O tal festival é o Animage, que vai entrar na 14ª edição a partir de 1° de outubro. O evento foi criado em 2008 por Antonio (Gutie) Gutierrez, que responde por sua direção geral, junto com Lucianne Vasconcelos.

Desde 2015, Cavani (que é diretor e jornalista) se achegou por lá como responsável pela curadoria e direção artística. Sua eufórica celebração das estéticas animadas mobiliza o Recife em diferentes espaços. A programação é gratuita. Sua média de público: pelo menos umas 7 mil pessoas, que se deliciam com seu cardápio de filmes.

Realizador dos curtas "Deixem Diana Em Paz" (2013) e "História Natural" (2014), Cavani, que fez um trabalho de fôlego como crítico em importantes mostras nacionais e estrangeiras, dá aqui uma geral da configuração do Animage de 2024 e fala dos rumos cinéfilos de seu estado.

A força que o cinema pernambucano encontrou nas telas, sobretudo a partir de "Baile Perfumado" (1996), hoje se manifesta de que forma na produção animada?

Júlio Cavani: "A Menina e o Pote", curta pernambucano que está na programação do Animage em 2024, é um bom exemplo para responder a essa pergunta. O filme representou o Brasil no Festival de Annecy (maior evento da animação mundial) e na Semana da Crítica do Festival de Cannes, além de ter sido o único curta animado selecionado para a competitiva nacional do Festival de Gramado este ano. Do ano passado, vale mencionar "Ciranda Feiticeira", que foi exibido na abertura do Animage e também foi selecionado para o Festival de Ottawa (um dos principais do mundo dedicados à animação), entre outras seleções importantes (Havana, por exemplo). O primeiro longa do estado é "Além da Lenda", lançado em 2022. Recentemente houve também "Guaxuma", um dos filmes brasileiros mais premiados dos últimos anos, lançado em 2018. A importância que o Animage adquiriu nacional e internacionalmente também significa muito nesse contexto.

Como você avalia hoje a diversidade estética e técnica da produção brasileira?

O cinema de animação brasileiro é tão diverso quanto a própria cultura brasileira, em técnicas e estéticas. Não percebo alguma tendência que se destaque especificamente. Também tenho percebido o surgimento que curtas que abordam a questão da ditadura no Brasil, como "Cadê Heleny?", premiado no Animage no ano passado, e "Torre", de 2017.

Quais serão as homenagens deste ano e o que inspira esses tributos?

O Animage não costuma prestar homenagens oficiais em um sentido solene, mas o festival apresenta mostras especiais panorâmicas de autores e resgata clássicos de mestres. Em 2024, será exibido "Akira", do japonês Katsuhiro Ôtomo, em versão restaurada, além de uma sessão de curtas do consagrado animador alemão Andreas Hykade. Os critérios de escolha desses artistas obedecem à identidade do festival como um todo, que busca originalidade artística-autoral e conteúdos com reflexões políticas e sociais, sem deixar de lado o prazer do entretenimento cinematográfico.

Você é um animador e diretor de ficções. Como anda a sua carreira nessa toada e quais são as temáticas que instigam seu olhar de realizador?

Em 2019, lancei "Polinização", uma história em quadrinhos que tem tudo para virar um bom longa de animação. Não me considero um animador. Meu único trabalho anterior em animação, além do Festival Animage, foi o curta "Deixem Diana em Paz", que dirigi, mas com o auxílio dos experientes animadores Eduardo Padrão e Marcos Buccini. Nessa e em outras obras minhas, como livros e outros filmes, enxergo um interesse meu por novas formas de expressão.

O maior sucesso de bilheteria do ano no planeta é uma animação, "Divertida Mente 2". O quanto a animação industrial tem renovado suas ambições artísticas? Que filmes animados mais comerciais mais e melhor te surpreenderam recentemente?

De uma forma geral, não gosto de separar a animação "comercial" da animação "artística". Acho que as duas coisas podem funcionar juntas. O que existe são diferentes formas de lançamento e percebo que os produtos mais industriais não costumam ser lançados em festivais, por uma questão de estratégia de mercado exibidor. Um problema grave que eu percebo no mercado exibidor, tanto no cinema quanto nos streamings, é uma ausência de bons longas-metragens de animação adultos (inclusive os premiados em festivais como Annecy) disponíveis nas programações, o que demonstra ainda haver muitos preconceitos que associam a arte da animação apenas ao público infantil. Percebo um aumento no investimento em produções autorais de animação em plataformas como Netflix, porém ainda sinto falta de mais absorção do que está se destacando em festivais. Nos cinemas, se não fossem festivais como o Animage, muitas obras animadas importantes não chegariam ao Brasil porque não são compradas pelas distribuidoras nacionais.