Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

José Luis Rebordinos: 'San Sebastián trabalha 365 dias por ano'

O diretor do festival espanhol, José Luis Rebordinos, com o cartaz da homenagem a Cate Blanchett | Foto: Pablo Gómez/Divulgação SSIFF

Vozes autorais consagradas como Jane Campion, Mike Leigh, Costa-Gavras, Mati Diop e Walter Salles prometem tornar a edição nº 72 de San Sebastián um marco não apenas na história do evento (iniciada em 1953) como no ranking dos maiores festivais de cinema do planeta, onde a maratona basca se coloca numa espécie de G7. Nesse grupo dos sete das maiores mostras do audiovisual, ela aparece ao lado de Roterdã, da Berlinale, de Cannes, de Locarno, de Veneza e de Toronto.

Quem manteve seu prestígio em alta foi um pedagogo nascido em Errenteria (cidade da Espanha quase na fronteira com a França), que, em 2011, assumiu sua direção geral: José Luis Rebordinos. Graças a ele, Donostia (San Sebastián, no idioma basco) apostou numa linha curatorial capaz de abraçar estéticas de invenção pautadas pelo risco (e pela provocação política) ao mesmo tempo em que se abre a narrativas mais comerciais, sempre valorizando medalhões ibéricos.

Nos 13 anos da gestão Rebordinos, todas as séries e todos os filmes de prestígio de sua pátria natal, marcada por sucessos como "Fale Com Ela" (2002) e "Alcarràs" (2022), entraram com destaque na grade estruturada por ele. Fenômeno transcontinental, "La Casa de Papel" é só um pedaço de um processo de expansão global perpetrado pela pátria de Pedro Almodóvar, que, mesmo sob crises econômicas diversas, lutou para difundir sua produção audiovisual planeta afora, consagrando cineastas nos streamings, nas telas de TV e nas salas exibidoras. Em 1999, com o sucesso internacional de "Tudo Sobre Minha Mãe", que rendeu um Oscar a Almodóvar, as agências de exportação de Madri, Barcelona e arredores perceberam que cinema e televisão são, ainda, a maior diversão - hoje, inclua as plataformas de difusão digital nessa conta. Percebe-se, pela maciça concentração de títulos da Península Ibérica no menu de San Sebastián 2024, que a indústria cultural daquela região prepara uma leva de projetos para fomentar o mercado cinematográfico, mobilizando as grandes produtoras de conteúdo de TV do Velho Mundo.

Na entrevista a seguir, Rebordinos explica essa dinâmica ao Correio da Manhã.

Como San Sebastián contribuiu para a expansão da pesquisa estética em cinema e TV/streaming na Espanha em relação às novas questões de gênero e às reconfigurações políticas do país?

José Luis Rebordinos: Nosso festival, assim como os filmes que programamos, é, de certa forma, um reflexo de nosso tempo e de nossa sociedade. Por esse motivo, a questão de gênero (assim como a sustentabilidade) é um assunto que nos preocupa e ao qual dedicamos parte de nossos esforços. Há alguns anos, assinamos o chamado "Acordo 50/50", pelo qual nossas equipes de gestão e recrutamento são iguais e seus currículos são publicados em nosso site. Por outro lado, todos os anos, realizamos um estudo comparativo de gênero por seções e profissões e o publicamos em nossa página oficial na internet. Também programamos palestras e debates relacionados a esse tópico. No caso da Espanha, estamos vivendo um momento muito bom em termos de qualidade e quantidade de filmes. E muitos deles, cada vez mais, são dirigidos ou produzidos por mulheres.

O festival escolheu Pedro Almodóvar como um de seus homenageados do ano. O Prêmio Donostia, que será entregue a ele, adquire um novo significado, ainda mais necessário depois do Leão de Ouro concedido a "O Quarto Ao Lado". O que significa institucionalmente essa homenagem a um cineasta tão importante para a Espanha?

Para nós, é uma honra. É um prêmio que o Festival deve a Pedro Almodóvar, nosso diretor mais importante em nível internacional.

Qual é o orçamento que um festival como San Sebastián precisa para começar a funcionar e como esse investimento ajuda a promover as produções ibéricas?

É de cerca de 10 milhões de euros. Mas não se trata apenas de um orçamento para o evento de nove dias do festival. San Sebastián existe e trabalha 365 dias por ano: fazemos parte da Escola de Cinema Elías Querejeta; organizamos residências para projetos (Ikusmira Berriak); participamos de consultorias para jovens cineastas; e programamos filmes no centro Tabakalera. Esse investimento ajuda a treinar nossos futuros cineastas, ajuda a desenvolver seus projetos, busca promover e divulgar seus filmes e auxilia a financiar, vender, rentabilizá-los e internacionalizá-los.

Que simbolismo estético e político está por trás da escolha de um filme como "Emmanuelle" para a abertura do festival?

Gostamos muito desse filme. É o novo longa de uma diretora, Audrey Diwan, que chega a San Sebastian depois de ganhar o Leão de Ouro em Veneza com seu trabalho anterior, "O Acontecimento". É um filme muito elegante, com atuações extraordinárias e uma grande mise-en-scène. De um ponto de vista temático, é a visão de uma mulher sobre o prazer feminino. Aqui a mulher não precisa apenas dizer sim ou não, ela é uma mulher que deseja, que quer alcançar o prazer. É um filme muito político que pode ser apreciado como um filme erótico, mas que vai muito além, que faz você refletir...

Como o trabalho no festival mudou sua relação pessoal com a cinefilia? Quais filmes o marcaram como cinéfilo? Como a atual cultura de streaming mudou sua maneira de assistir a filmes?

Suponho que eu possa escolher menos para assistir por falta de tempo, pois passo muito tempo assistindo a filmes que provavelmente serão selecionados para o nosso festival. Mas minha relação com o cinema, na minha paixão por ele, não mudou substancialmente. Há muitos filmes e diretores que me marcaram: Yasujiro Ozu, Carl Theodor Dreyer (especialmente no longa "Gertrud"), Ingmar Bergman, o cinema noir americano, todos as animações do Studio Ghibli, Luis García Berlanga e Luis Buñuel (especialmente "A Bela da Tarde"), alguns Seijun Suzuki, Yasuzô Masumura... Tantos... Dependendo do dia e do momento, essa lista pode mudar.