Embora seja mais lembrado pelo papel do caubói Django, Franco Nero já combateu milícias na Sicília em filmes como "O Dia da Coruja" ("Il Giorno Della Civetta", 1968), que expandiram o investimento do cinema italiano nas fronteiras do gênero. Efeito similar teve "Roma Armada" (1976), de Umberto Lenzi, e "Milão Calibre 9" (1972), de Fernando Di Leo. Os três campeões de bilheteria fazem parte de uma das mostras mais disputadas pelo público e pelos convidados deste ano do Festival de San Sebastián, iniciado na sexta-feira no norte da Espanha.
Composta por 21 longas-metragens rodados entre 1943 e 2023, essa retrospectiva se chama "Itália Violenta" e reúne cults do filão chamado poliziesco. Esse é o termo utilizado para designar thrillers de crime, muitos deles de tônus político, rodados na terra de Federico Fellini. Uma terra de gigantes (Rossellini, De Sica, Fellini, Visconti, Antonioni, Pietro Germi, Pier Paolo Pasolini, Elio Petri, Lina Wertmüller, Valerio Zurlini), próspera na seara do terror (com o giallo de Dario Argento), no faroeste (com as macarronadas de Sergio Leone, Tonino Valerii e Sergio Corbucci), nos épicos de gladiador (o Peplum) e nas chanchadas com Carlo Pedersoli e Mario Girotti (conhecidos como Bud Spencer e Terence Hill). Dois historiadores da imagem em movimento, Quim Casas e Felipe Cabrerizo, foram os organizadores da revisão dos anti-heróis policiais proposta pela maratona ibérica.
"A primeira reação do cinema italiano, após o veto sofrido durante 20 anos de censura fascista, foi imitar os modelos de crime francês e americano que chegaram subitamente à Itália no final da guerra", dizem os dois curadores em resposta por e-mail em dupla. "Essa imitação seguia uma caraterística singular: o filme policial deles foi tingido com os ares do neorrealismo, o que lhe deu uma linha própria, longe dos formatos de outros países. Isso permitiu a cristalização, em 1959, daquele que pode ser considerado o primeiro filme policial italiano afastado de qualquer referência estrangeira, 'Aquele Caso Maldito', de Pietro Germi".
Quim e Cabrerizo incluíram o sucesso de Germi no cardápio que prepararam para San Sebastián. Trouxeram de volta ainda alguns marcos do suspense político à italiana, entre os quais "Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita" (1970), de Elio Petri, ganhador do Grande Prêmio do Júri de Cannes e do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. A cearense Florinda Bolkan é parte de seu elenco. A seu lado está Gian Maria Volontè, expoente do poliziesco, que, segundo os especialistas espanhóis desfrutou de um star system particular.
"Nos primeiros anos do pós-guerra o papel brilhante de Massimo Girotti num filme tão insólito como 'Obsessão' fez dele a primeira estrela do género", dizem Quim e Cabrerizo, "No fim dos anos 1960, quando aconteceu uma passagem do western para o poliziottesco, duas grandes estrelas do spaghetti, Franco Nero e Tomas Milian, tornaram-se os rostos mais visíveis do gênero. O sucesso do poliziesco gerou a necessidade de multiplicar os seus atores, o que inclui figuras importantes como Giuliano Gemma, Enrico Maria Salerno, Franco Testi, Maurizio Merli, Antonio Sabàto e Franco Gasparri".