Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Walter Salles às portas do Oscar

Salles orienta Fernanda Torres no set de 'Ainda Estou Aqui' | Foto: Divulgação

 

Laureado com o Urso de Ouro de Berlim (por "Central do Brasil"), indicado três vezes à Palma Dourada de Cannes e recém-consagrado nas telas de Veneza e Toronto, Walter Salles inclui San Sebastián com um revelo afetivo considerável em sua (boa) relação com os festivais internacionais ao lembrar que foi dali, da Espanha, que seu "Terra Estrangeira" (codigido por Daniela Thomas, em 1995) zarpou para o mundo.

Na sexta, no sábado e no domingo, o novo (e badaladíssimo) longa-metragem do cineasta, o comovente "Ainda Estou Aqui", reaproximou o diretor do evento espanhol, numa série de projeções cercada de aplausos, olhos marejados e curiosidades bascas acerca do que foram as ditaduras sul-americanas.

Fala-se por todos os cantos do evento na inclusão de Salles entre os potenciais candidatos ao Oscar 2025. Sua sorte pode aumentar nesta segunda-feira, quando a Academia Brasileira de Cinema decide (a partir de uma lista de seis títulos) que produção vai representar nosso país na corrida por uma vaga na competição mais famosa de Hollywood.

Hoje no Velho Mundo, os desempenhos de Fernanda Torres e de Selton Mello no longa de WS, baseado em um romance homônimo de Marcelo Rubens Paiva, só fazem acumular o afeto e a adesão do público ibérico, que pode dar a Salles o prêmio de júri popular da mostra paralela Perlak. Em terras venezianas, o drama ambientado em 1971, em 1996 e em 2014 (entre saltos temporais elegantemente editados por Affonso Gonçalves) foi agraciado com a láurea de Melhor Roteiro, dada a Murilo Hauser e Heitor Lorega.

"Minha geração chegou ao cinema após 21 anos de ditadura militar, de 1964 a 1985. Muitas histórias não puderam ser contadas durante esses anos de chumbo. Teria sido lógico abordá-las, mas o desastre do governo Collor no início dos anos 1990 nos obrigou a lidar com uma realidade imediata de um país novamente em crise. Daí, no meu caso, 'Terra Estrangeira' e depois 'Central do Brasil'. Quando a extrema direita começou a ganhar força no Brasil, ficou claro o quanto nossa memória dos anos de ditadura militar era frágil", lembra Salles, em entrevista por e-mail ao Correio da Manhã.

Produzido por Rodrigo Teixeira, esse drama marca a volta de Salles à ficção 12 anos depois de "On The Road". No centro da dramaturgia, uma família, os Paiva: Rubens (Selton Mello), Eunice (Fernanda Torres), filhas e filho (no caso, o jovem Marcelo, que viria a escrever "Feliz Ano Velho"). Eles vivem na frente da praia, numa casa de portas abertas para os amigos, com música e alegria reinantes. Vivem assim até o dia em que Rubens é levado por agentes do governo à paisana e desaparece. Eunice - cuja busca pela verdade sobre o destino de seu marido se estende por décadas - é obrigada a se reinventar e traçar um novo futuro para si, sua prole e para a luta pela democracia. Fernanda Montenegro vive Eunice em idade mais avançada.

"Propor novos reflexos desse período me pareceu vital para entender melhor o trauma vivido, e não repetir os mesmos erros do passado. Em 'Ainda Estou Aqui', o Estado invade o coração de uma família, decide quem vai viver ou morrer, faz um corpo desaparecer. Em 2021, um presidente concedeu medalhas de honra a torturadores daquela época. Este filme, que entrou em gestação antes desses anos terríveis, infelizmente parece ser não apenas um filme sobre um passado remoto, mas sobre os perigos das novas formas de autoritarismo que rondam o Brasil e o mundo. O filme é um grão de areia num universo muito amplo, e espero que muitos outros filmes e livros possam trazer mais relatos desse tempo", torce Salles'.

A participação brasileira em San Sebastián ampliou-se domingo na mostra Horizontes Latinos, na qual "Cidade; Campo", de Juliana Rojas, foi exibida em competição. Já lançada no Rio, a produção ganhou o prêmio de Melhor Direção na Berlinale, na seção Encontros. A realizadora arrebata fãs pelo modo como celebra a força feminina e como enfrenta tabus reincidentes na representação do amor queer.