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Pasárgada foi uma 'salvação'

Por Pedro Sobreiro

Quem estreia 'Pasárgada' ao lado de Dira Paes é o ator Humberto Carrão, que dá vida ao mateiro Manuel. Ao CORREIO DA MANHÃ, Carrão contou mais sobre esse processo.

QUAL A IMPORTÂNCIA DE VER PASÁRGADA NO CINEMA?

Humberto Carrão - Acho legal que você tenha começado assim a conversa. Sou militante dessa causa, porque é uma loucura o que está acontecendo. Eu tenho parentes muito jovens na família e percebo que, para eles, estar em uma sala de cinema é uma experiência que tanto faz. Eles veem no celular, eles veem na televisão. E no caso de 'Pasárgada', existe não só um trabalho sonoro muito refinado, mas também os tempos alargados do filme são outros em uma sala escura com uma tela grande. Estou louco para ver e que todos vejam na tela grande.

COMO FOI 'CONSTRUIR' O MANUEL?

Humberto Carrão - O convite veio durante a pandemia, então eu estava vivendo um movimento, como reflexo da pandemia em muitas pessoas, de aproximação cada vez maior dessa vida no mato. Estava indo para a serra, tentando me conectar com o meio ambiente ali. Então foi um convite muito interessante, além de ser também uma salvação. Fui chamado para ir a uma fazenda, com toda a segurança, com todos os testes possíveis - algo que foi uma preocupação muito forte da Dira [Paes] - para fazer um filme. Mas a primeira lembrança que tive ao chegar lá foi do meu avô. Eu até falo isso no filme. Ele se chama Humberto também e era essa figura que sabia o nome de todos os passarinhos. Ele me levava para passear e saía dizendo o nome dos frutos, das árvores, e eu achava aquilo mágico. Ficava encantado mesmo. E depois, mais velho e já sem ele aqui, eu pensava nisso com uma certa vergonha, em como eu não me estava nem perto dessa sabedoria. Mas, de fato, eu só entendi quem deveria ser o Manuel como personagem quando cheguei na fazenda. Antes de começar a filmar, nós fomos para cima e para baixo com o Ciça, o mateiro da fazenda. A gente pedia dica, perguntava mil coisas e tentava 'roubar' um pouco dele para o personagem. Porque o Ciça tem essa coisa, como muitos que a gente conhece, que é uma sabedoria monstruosa muito especial sobre o lugar. E, ao mesmo tempo, uma postura mais recatada, de olhar para baixo, que alguém pode - de forma muito ignorante - achar que é falta de confiança, vergonha ou até mesmo ignorância, mas é, na verdade, uma coisa linda que tem muito a nos ensinar. É um resguardo do seu espaço, do seu tempo e do seu olhar como observador. Então, eu queria fazer o Manuel como uma figura dessas. Não me interessava o Manuel como mateiro forte e sedutor. Tem horas que ele está mais para fora, e tem horas que ele está mais para dentro para respeitar esse espaço como observador da natureza e do mundo.

COMO FOI TER A DIRA COMO DIRETORA?

Humberto Carrão - Foi o máximo! A Dira tem muito entusiasmo. Ela é uma figura muito poderosa. E vê-la cuidando de uma equipe inteira... Não era fácil. Imagina, às vezes, tínhamos um caminho longuíssimo para ir, um caminho longuíssimo para voltar, e no meio disso tinha chuva, lama, vento e medo de raio. Era uma produção muito dependente, e organizar as pessoas que ela organizou, juntar todo mundo para se isolar em uma fazenda no meio da pandemia... Isso também faz parte do trabalho da direção. E a Dira faz isso há muitos anos como atriz. Ela sabe o que interessa e o que não interessa como artista. Era bonito ver de perto alguém descobrindo coisas novas, mas ao mesmo tempo, indo atrás do que ele queria e via para esse filme. Foi muito bonito.

VOCÊ LEVOU ALGUMA COISA DO MANUEL PARA SUA VIDA PESSOAL?

Humberto Carrão - Isso é muito bonito da profissão. Eu 'emprestei' para o Manuel o meu avô, e o filme me deu essa relação de continuar indo muito para a serra e para o mato. A Dira usa um livro sobre passarinhos no filme e me deu ele de presente. O meu está todo anotado. Eu fico olhando as aves com um binóculo e quando acho um pássaro que nunca tinha visto antes, vou no livro procurar e anotar. É maluco. Eu estou muito longe do Manuel e do Ciça, mas você cria uma relação de intimidade e de interesse. É meio triste imaginar que essa figura que a gente pode ser, que eu era antes do filme, de ter uma relação de encantamento com o que está em volta, com animais e árvores, pode ter se perdido no mundo caótico de hoje.

O QUE O PÚBLICO PODE ESPERAR DE 'PASÁRGADA'?

Humberto Carrão - Eu tô louco para que esse filme chegue aos cinemas. É importantíssimo que o público vá ver na primeira semana, a gente sabe que é importante para conseguir manter o filme em cartaz, e acho que as pessoas vão ver um filme com mil caminhos bonitos. Ele fala sobre um tráfico tão violento, que é o de animais silvestres, mas também fala de mundos se encontrando, e acho que é um convite para um outro tempo. E isso é algo que, nesses tempos de redes sociais em que tudo precisa ser rápido, a gente precisa muito. É um filme que estica a corda muitas vezes e isso eu adoro.