Vale a pena ver de novo?

Por que cinemas brasileiros vivem onda de reprises como 'Beetlejuice', 'Estômago', 'A Hora da Estrela' e 'Batman', entre outros

Por Pedro Strazza (Folhapress)

Estômago

O passado é a grande moda do momento nos cinemas brasileiros. Um batalhão de filmes dos anos 1980, 1990 e 2000 invadiu as salas do país nos últimos meses, competindo em pé de igualdade com as estreias de cada nova semana.

As reprises variam, de séries como "Harry Potter" e "Star Wars" a hits nacionais como "A Hora da Estrela" e "Estômago". Com boas médias de público, elas arrastam multidões em um momento de retomada das bilheterias nacionais. Elas contornam a crise com datas comemorativas e como marketing de continuações, a exemplo de "Os Fantasmas se Divertem", cuja sequência acaba de chegar aos cinemas.

Também está em cartaz "Stop Making Sense", famoso documentário de 1984 da banda Talking Heads. O filme chegou ao circuito na semana passada com nova remasterização, um ano depois dos cinemas americanos, mas a distribuidora O2 Play aposta alto na reprise - que conta até com sessões em formato Imax.

Boa parte da crença da empresa se deve ao sucesso do filme no Instituto Moreira Salles, onde ganhou exibições especiais em março. O público lotou tão rápido as poucas sessões que o museu abriu novos horários, esgotados em uma hora.

O programa do IMS surpreendeu Igor Kupstas, diretor da O2 Play, que negociava a distribuição de "Stop Making Sense" na época. "Quando vi que iam passar o filme, achei por um segundo que outra pessoa havia o comprado", afirma o executivo.

Ele diz que a empresa tinha interesse na versão restaurada do longa desde a reprise lá fora, mas a negociação do título demorou a sair. A preocupação com um atraso na distribuição desapareceu na euforia coletiva do início do ano.

Curador de cinema do IMS, o diretor Kleber Mendonça Filho foi quem teve a ideia de trazer "Stop Making Sense" ao museu. Ele afirma que alinhou o seu desejo de exibir o filme com a programação do cinema, que abriu espaço a documentários de música - como os filmes "Woodstock" e "Prince: Sign 'o' the Times".

"Cada programação é um mistério, mas eu esperava", diz o curador sobre o sucesso das sessões. "Não só o filme é sensacional, mas as salas estavam à altura da qualidade de som. Foi impactante, do balacobaco."

O mercado de cinema compartilha do entusiasmo da O2 Play, vendo boa procura nas reprises. Caso emblemático é o de "Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban", que comemorou os 20 anos de lançamento com sessões em 4 de junho. Segundo a Warner Bros., mais de 500 mil ingressos foram vendidos no dia, lotando salas ao redor do país.

O volume de público impressiona, em especial porque foram 866 mil espectadores que o longa conquistou na estreia no país em 2004. O estúdio também promoveu, no último domingo, uma maratona dos três primeiros capítulos da série.

Sucesso parecido aconteceu com "Coraline e o Mundo Secreto", que voltou aos cinemas no mês passado para celebrar os 15 anos da estreia. O Comscore afirma que a animação da Laika foi o quarto filme mais visto no final de semana retrasado no Brasil, com R$ 2,85 milhões arrecadados. A obra teve por aqui um desempenho parecido com o dos Estados Unidos, onde foi o quinto mais assistido no mesmo período - lá com US$ 12,5 milhões, ou R$ 69,4 milhões.

As reexibições também funcionam com obras nacionais. O filme "A Hora da Estrela", adaptação de 1985 do livro de Clarice Lispector, voltou ao circuito em maio, mas só saiu de cartaz no meio de agosto. Segundo a distribuidora Vitrine Filmes, mais de 20 mil espectadores assistiram ao filme nos cinemas nos últimos três meses.

A reprise do longa aconteceu pela Sessão Vitrine Petrobrás, que destaca o cinema do país a preços populares. Mas o sucesso de "A Hora da Estrela" foi desproporcional até para o selo. Criadora do projeto, Silvia Cruz diz que o filme ultrapassou a bilheteria dos outros filmes do projeto, incluindo títulos antecipados como "Sem Coração".

A ideia do relançamento pode ser a moda atual no Brasil, mas tem pé na história do cinema. Autor do livro "Hollywood e o Mercado de Cinema no Brasil", Pedro Butcher diz que os estúdios trabalham com relançamentos desde a sua criação. Eles usaram as reprises primeiro para impulsionar novos artistas e, depois, para recuperar o prejuízo de filmes nem tão bem sucedidos.

Para o pesquisador, a popularidade atual dos relançamentos envolve a crise do streaming, que virou problema ao espectador. A multiplicação de serviços como a Netflix frustram o assinante, que tem contas demais e não sabe onde assistir aos filmes.

"O mercado audiovisual está desorganizado, em especial no streaming", diz Butcher. "Para uma parte das pessoas, a experiência da sala volta a ser atrativa. A nostalgia da experiência coletiva se liga à nostalgia das memórias com as obras, além da vontade de ver coisas diferentes das novidades desses canais."

A remasterização dos filmes em 4K é outro fator importante na disputa silenciosa da tela do cinema com a TV de casa. A tecnologia permite imagens muito mais nítidas, que melhoram a experiência da sessão, e por isso virou pilar na divulgação dos relançamentos - incluindo os citados "Stop Making Sense" e "A Hora da Estrela".

"Existe um oceano de filmes e shows relevantes que, se apresentados de forma adequada nas imagens, nos efeitos e nos sons, merecem a sala de cinema. Assim, eles acham a sua audiência", diz Igor Kupstas.

O diretor da O2 Play confirma que a empresa apostará em novos relançamentos. A próxima reprise da distribuidora é "Edukators", sucesso alemão de 2004 que está para ser agendado no calendário dos cinemas.

No andar dessa carruagem, as distribuidoras seguem os passos dos cinemas de repertório, que viram no 4K uma maneira de atrair o público. Em São Paulo, estabelecimentos como o Cinesesc e o IMS usam o formato como parte da divulgação já há alguns anos.

O Cinesesc em especial investe de maneira considerável nessas exibições. No começo do ano, o cinema criou a mostra "Clássicos em 4K", com sessões de filmes como o italiano "Noites de Cabíria" e o americano "O Exorcista". Em agosto, estreou no país a cópia no formato de "O Fundo do Coração", musical de 1981 dirigido por Francis Ford Coppola. Coordenadora de programação do Cinesesc, Graziela Marcheti Gomes afirma que o 4K ajuda na missão do estabelecimento. "Esses programas importam na formação de públicos, unindo tecnologia de ponta com o conhecimentos dos filmes", diz