O Apocalipseagora é naEspanha

Gestado ao longo de quatro décadas e meia, 'Megalópolis' passa por San Sebastián, após controversa estreia em Cannes, para preparar o regresso de Coppola ao circuito comercial

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Adam Driver vive um artista capaz de parar o tempo na superprodução de Francis Ford Coppola

Por Rodrigo Fonseca

Especial para o Correio da Manhã

Sexta-feira é dia de São Cosme e Damião e o doce que o cinema de autor tem a oferecer ao público americano é a estreia de um ímã de controvérsias dirigido pelo artesão por trás de "O Poderoso Chefão" (1972), Francis Ford Coppola, de volta à ribalta, depois de um hiato de nova anos, pata lançar "Megalópolis". Antes de seu lançamento estadunidense, o longa-metragem se refestela nos holofotes do Festival de San Sebastián, na Espanha, onde será exibido hoje na competição pelo prêmio de júri popular do evento, onde o público pode comprar ingressos para os longas-metragens das seleções oficiais e paralelas. Há uma corrida nas bilheterias da cidade basca por essa superprodução de US$ 120 milhões, financiada pelo próprio realizador com o lucro de suas vinícolas. Apesar do recente convite ao "cancelamento" pelo qual Coppola passa, acusado de condutas indecorosas com figurantes, as plateias ibéricas anseiam por ver a experiência narrativa realizada por ele a partir do ideal da "metrópole perfeita".

Entre todos os indicados à Palma de Ouro de Cannes deste ano, o concorrente que mais chamava atenção e mais mobilizava apostas foi esse épico idealizado há quase quatro décadas. Idealizado pelo diretor de "Apocalypse Now" (1979) em 1977, desenvolvido em 1983 e retomado em 2019, com filmagens realizadas de 2022 a 2023, o enredo teria Paul Newman (1925-2008) como seu protagonista. Depois, falou-se em Kevin Spacey. Acabou que o papel principal ficou com Adam Driver. Ele interpreta Cesar Catilina, um arquiteto Prêmio Nobel, tratado como cientista desde que inventou uma substância chamada Megalon, para salvar sua mulher da morte. É com esse elemento químico, capaz de desafiar o Tempo, que ele almeja criar uma NY perfeita, apesar de o alcaide do local, Cícero (Esposito), discordar de seus atos. A peleja deles é narrada com muita experimentação e até com imagens documentais. Num dado momento da projeção de Cannes, uma pessoa subiu no palco e se dirigiu à tela. É um exercício do chamado "cinema ao vivo". A pessoa simulava ser um entrevistador que se dirigia a Cesar, na tela, numa conversa tridimensional, como se fosse ao vivo. Toda o roteiro faz referência explícita ao Império Romano, desde os nomes dos personagens até diálogos em latim na narração feita por Laurence Fishburne.

Apesar da criatividade inegável desse plot, o filme fez uma passagem controversa pela Côte d'Azur, sem criar consensos. É um exercício autoral de risco absoluto, mas que beira a extravagância, resvalando no excesso e até na caricatura. Apesar disso, sua dimensão poética é inegável. A música de Osvaldo Golijov é um dos raros pontos em que a fita não gera dissonância de opiniões, assim como a atuação de Giancarlo Esposito no papel do prefeito de uma Nova York apresentada como Nova Roma.

Depois do fenômeno "Oppenheimer", que faturou US$ 972 milhões e conquistou sete Óscares, a indústria do audiovisual anseia por um longa voltado para plateias adultas, com temática humanista, que possa faturar muito e alcançar prestígio. No início de maio, quando as primeiras imagens do regresso de Coppola foram divulgadas, "Megalópolis" passou a ser encarado como esse potencial sucesso pelo qual Hollywood tanto saliva. Depois de Cannes, contudo, as certezas deixaram de ser unânimes. Há quem defina "Megalópolis" como um tropeço, como um trem desgovernado, e há quem veja nele um poema com absoluta liberdade narrativa, mas ninguém fala em obra-prima. Pode ser que San Sebastián mude esse placar, uma vez que Coppola é visto como um deus no festival, onde ganhou a Concha de Ouro em 1969, por "Caminhos Mal Traçados". Saiu de lá premiado também em 1984, com "Rumble Fish - O Selvagem da Motocicleta", que lhe valeu a Láurea da Crítica, dada pela Fipresci, a Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica.