Voz iraniana que não se cala

Forte candidato ao prêmio de júri popular, Mohammad Rasoulof, refugiado em solo alemão, pode levar ao Oscar seu retrato sobre a intolerância

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Por Rodrigo Fonseca

Especial para o Correio da Manhã

Ao escolher anualmente um longa-metragem a ser submetido a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, almejando uma vaga na disputa do Oscar, as instituições culturais do Irã precisam passar por um crivo (leia-se "censura") do governo, que reprova (em geral) tramas avessas às imposturas políticas daquela pátria. O representante deles desta vez é "In the Arms of the Tree", de Babak Khajehpasha, que teve pequeníssima repercussão fora de suas fronteiras. Há um outro longa-metragem, com CEP no Irã, que, este ano, brilhou mais e só faz colher loas e láureas por onde quer que passe. Chama-se "The Seed of The Sacred Fig", é dirigido por Mohammad Rasoulof e recebeu uma ovação em sua passagem por San Sebastián, na mostra paralela Perlak, da qual pode sair com o mimo do júri popular. Antes de passar pelo vento basco, esse drama com momentos de thriller teve o aplauso do Festival de Locarno, na Suíça. Foi selecionado para projeção na Piazza Grande da maratona cinéfila helvética depois dos múltiplos elogios que arrebatou no Festival de Cannes, em maio. Sua estreia aconteceu lá e foi repleta de vitórias para seu realizador, que se encontra sob condenação estatal em sua pátria, refugiado na Alemanha. Saiu da Croisette com o Prêmio Especial do Júri, o Prêmio do Júri Ecumênico e o Prêmio da Crítica. Diante da boa recepção, os alemães (que coproduziram o roteiro de Rasoulof) não tiveram dúvida e optaram por ele para representar o audiovisual germânico nos Oscars.

Em sua trama, um juiz entra em paranoia ao se sentir perseguido e começa a se voltar de forma violenta contra suas filhas e sua mulher.

"Venho de uma cultura submetida à tirania, pois o Estado Islâmico é capaz de tudo", disse Rasoulof em Cannes. "Por que meu governo tem tanto medo das histórias que contamos?".

Ao 52 anos, o realizador, egresso de Xiraz, precisou fugir de sua casa (e sua nação) para conseguir expressar sua voz autoral pelo mundo, tendo seu passaporte confiscado pelas autoridades do Irã, que o considera uma ameaça à integridade nacional.

"Dei instruções à equipe para que terminasse o filme caso eu fosse preso. Quando a sentença de que eu seria detido saiu, fui para casa e me despedi das minhas plantas, depois dei um jeito de sair", explicou o diretor, que por já ter sido trancafiado antes conhecia meios não tão legais de escapar, por rotas alternativas que o levaram à Alemanha. "Este é um filme sobre doutrinação, sobre o que acontece quando você deixa alguém, ou alguma ideologia tomar conta de sua mente", disse o realizador, que ganhou o Urso de Ouro de 2020 com "Não Há Mal Algum". "Não tenho medo da intimidação".

Depois de San Sebastián, "The Seed of the Sacred Fig" passa pelo Festival do Rio, que começa no dia 3, com a exibição de "Emilia Pérez", de Jacques Audiard, no Odeon.