Na entrevista a seguir, Osvaldo Golijov fala ao Correio da Manhã sobre a "argentinidade" que agrega a essas parcerias com realizadores como o cineasta Francis Ford Coppola e a coreógrafa Deborah Colker.
Que sons guiam as partituras de "Megalópolis"?
Osvaldo Golijov: Francis pensou nesse filme po décadas e queria que seu pai (o compositor Carmine Coppola) escrevesse a música, só que ele morreu nos anos 1990. Chegou a compor alguns temas antes de partir. Então Francis foi buscar um outro músico, mas não queria alguém de Hollywood. Ouviu meu trabalho, gostou e mandou-me uma carta, que tenho até hoje, com um convite para que eu fosse até sua casa, onde fica sua vinícola. Lá fechamos parceria. Ele queria muita coisa para a trilha. "Megalópolis" tem um estilo à moda "Ben-Hur" para ressalta a dimensão romana da trama; tem o tema da utopia, mais próximo da minha linha melódica; há uma dimensão noir, com traços dos filmes de Hitchcock, que Francis adora, em relação à música de Bernard Herrmann; e há temas românticos.
"Megalópolis" coroa uma travessia sua pelo cinema, de mãos dadas com Coppola, que vem lá de "Velha Juventude" (2007) e passa por "Tetro" (2009). O que o senhor leva de suas raízes argentinas nessa jornada sinestésica pela música?
Piazzolla. O que eu faço não se parece com a sonoridade dele, mas foi de Astor Piazzolla que veio a experiência fundamental para que eu entendesse a existência de uma música capaz de traduzir o povo, gente como a gente, em músicas que expressam como as pessoas amam, como se movem. Minha mãe era pianista profissional e me botou em contato com a música desde cedo. Eu descobri Piazzolla aos nove, dez anos e já entendi suas notas.
Piazzolla passa pela linha melódica de "Tetro", que se ambienta em Buenos Aires?
Logo que começamos a trabalhar, Francis me disse: "não quero tango". Eu pensei: "mas como é que vou imprimir 'argentinidade' nesse filme sem tango'. Aí, ele disse que encarava Buenos Aires como uma cidade sensual, feito Roma, Havana ou Nova Orleans. Essa ideia de sensualidade me fez explorar sons mais folclóricos. Raúl Barboza (acordeonista) é um exemplo dessa linha.
Cabe espaço para a Música Popular Brasileira nos seus tímpanos?
Quando eu era adolescente, eu descobri Milton Nascimento e aquilo me matou, abriu um oceano para mim. Daí vieram as harmonias de Tom Jobim. Depois, Gilberto Gil e Caetano Veloso reforçaram a certeza que eu tive do quanto a música brasileira é rica.
O Brasil volta a cruzar seu caminho agora por meio de Deborah Colker, com "Ainadamar", no Metropolitan de Nova York. Como foi seu processo criativo com a coreógrafa?
Deborah tem ideias muito diferentes de muitos diretores com que trabalhei por seguir uma linha quase geológica em sua estrutura. Ela me impressionou por seu domínio de ritmo. Nunca imaginei um dia ver um trabalho meu inteiramente dançado, como ela fez.
Como o senhor avalia a forma de Coppola criar e qual é o maior legado dele para a arte?
Existe uma frase do escritor Jorge Luis Borges que diz: "As vidas e os sonhos são páginas de um mesmo livro". Coppola é a encarnação desse pensamento, pois em sua forma de experimentar, com um espírito de liberdade pleno, ele não parece diferenciar esses extremos, sendo capaz de brincar em situações muito sérias. Basta lembramos do surfe em "Apocalypse Now".
Qual será a sua próxima empreitada?
Estou idealizando uma ópera sobre a cadelinha Laika (que foi para o espaço, pela União Soviética, em 1957), Vai ser uma abordagem surrealista.