Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

O requiém de um mestre do olhar

Morto há uma semana, o documentarista paraibano Vladimir Carvalho será homenageado nesta quarta-feira no Estação NET com a exibição de seu cultuado longa 'O País de São Saruê' (foto) | Foto: Divulgação

Acusado por bocas do Estado fardado de "ferir a dignidade nacional", o marco da estética documental "O País de São Saruê" (1971) volta a ganhar o espaço que a ditadura lhe negou - a tela grande - no tributo póstumo que o Estação NET Rio preparou para a noite desta quarta-feira (30), às 20h, como um réquiem para seu realizador, Vladimir Carvalho, morto na última quinta-feira (24).

Alvejado por patrulhas militares muitas vezes, numa carreira iniciada em 1960, Vladimir deu ao cinema nacional um épico, "Conterrâneos Velhos de Guerra" (1991). Rodou ainda refinados retratos de artistas como o premiado "Rock Brasília" (2011), sobre Renato Russo (1960-1996), e "Cícero Dias - O Compadre de Picasso" (2016).

Foi ainda professor de muitas vozes autorais do audiovisual brasileiro, como professor da Universidade de Brasilía e, fora de lá, em sua própria casa materna, formou um dos fotógrafos mais respeitados da América Latina: o também cineasta Walter Carvalho, seu irmão mais moço. Um de seus pupilos, Erik de Castro, cineasta premiado, vem cantar o legado de seu mestre neste artigo exclusivo para o Correio da Manhã.

 

'Mais do que em sala de aula, foi Professor em tela'

Wladimir e Erik durante encontro casual ocorrido na avenida W3-Sul, em Brasília, habitat natural de Vladimir | Foto: Marta M. Serra

Por Erik de Castro*

Tudo que aprendi como estudante de Cinema em "História do Documentário" - classe do professor e historiador Tom Stempel, PHD, durante meu período no Departamento de Cinema da Faculdade de Los Angeles - vi apenas, em plenitude, na filmografia do paraibano "naturalizado" brasiliense Vladimir Carvalho.

Do Cine Verité, ao Direct Cinema, juntando à linguagem do cineasta interventor, entrevistador, em cena, sem ser repórter, mas sim mais um personagem integrado à narrativa retratada no momento... Como só os grandes fazem, juntava esses e outros elementos narrativos num liquidificador celestial e cinematográfico - advindo de mestres precursores como Eisenstein, Vertov, Flaherty, Grierson, Cavalcanti - e regurgitava tudo de volta para o espectador na forma de algo novo, extraordinário, autoral... e envolvente. Entretenimento puro.

Vladimir queria o público e teve o público. Envolvia em narrativa eletrizante com um documentário de quase três horas, como a obra-prima "Conterrâneos Velhos de Guerra" (1992). Quem conseguiu isso? Respondo: a meu ver, ninguém. Tudo que qualquer documentarista jamais almejou está em "Conterrâneos".

Mais do que em sala de aula, foi Professor em tela.

Vimos, testemunhamos e aprendemos com gênios como Da Vinci, Shakespeare, Hemingway, Van Gogh, Mozart, Chaplin, Fellini, Welles, tantos... Cada um na sua.

E Vladimir na dele.

Da Paraíba. De Brasília. Do Brasil. Do Mundo.

Vladimir Carvalho será lembrado e exaltado pela História como um dos maiores, não só cineastas, mas Artistas, que pisaram na face da Terra.

Documentarista, para mim, foi o maior.

*Diretor do documentário "Senta a Pua!" - cujo corte final foi decidido em conversa com Vladimir Carvalho, após exibição particular do primeiro corte para o Mestre.