Mostra de SP: a Pauliceia desvairadamente cinéfila

Com 417 títulos em sua programação, a Mostra de São Paulo engata a marcha de 48ª edição numa aposta em vozes autorais de todos os cantos do planeta, repleta de longas nacionais

Por Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Ainda Estou Aqui

Depois de exibir "Maria Callas", com Angelina Jolie, na Sala São Paulo, na quarta-feira (16) em sessão para convidados, a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo abre nesta quinta sua Caixa de Pandora de autoralidades audiovisuais oferecendo à sua fidelíssima plateia 417 títulos, vindos dos mais variados cantos do mundo. O fetiche nº 1 de sua grade deste ano é "Anora", que rendeu a Palma de Ouro a Sean Baker, em Cannes. Tem sessão dessa espécie de Cinderella às avessas neste sábado, às 21h10, no Reserva Cultural. É a história de uma profissional do sexo que, ao se casar com um jovem milionário russo doidão, acredita ter tirado o pé da jaca e iniciado uma vida de princesa. Mas... toda rosa tem espinhos. Já nesta sexta-feira, a Mostra vai apresentar ao público de SP o tão esperado "Ainda Estou Aqui", que pode levar Walter Salles e Fernanda Torres ao Oscar, depois de ter conquistado a láurea de Melhor Roteiro em Veneza. Tem sessão dessa adaptação da literatura de Marcelo Rubens Paiva, às 17h10, no Espaço Augusta. A mesma sala volta a acolher o longa no sábado, às 21h10. Fernanda vive a advogada e ativista Eunice Paiva, que dedica décadas de sua vida a buscar o paradeiro do marido, o engenheiro e ex-deputado Rubens Paiva (Selton Mello, em colossal atuação), desaparecido após ser levado por agentes militares na ditadura.
Confira a seguir o que há de mais imperdível no evento.

ABRIL ("April"), de Dea Kulumbegashvili (Geórgia): Retorno da cineasta de "Beginning" (2020) às telas, quatro anos depois do longa que a consagrou. Sua protagonista é uma obstetra, Nina, que trabalha numa maternidade no leste georgiano. Após um parto difícil, a criança morre, e o pai exige uma investigação sobre os métodos da médica. O escrutínio resultante ameaça trazer à tona a atividade paralela de Nina — dirigir pelo interior até as casas de meninas e mulheres grávidas para realizar abortos não autorizados. Onde: Reserva Cultural, no dia 21, 13h

REAS, de Lola Arias (Argentina): Experimento híbrido de documentário e encenação feito pela diretora de "Teatro de Guerra" (2018). Sua narrativa registra a vida carcerária de Yoseli, detida no aeroporto por tráfico de drogas. Na cadeia, conhece Nacho, um homem trans que está ali por estelionato e que montou uma banda de rock dentro da prisão. Em busca de paz, Yoseli se junta às outras detentas para cantar, dançar e reencenar a vida no cárcere. Onde: Cinesystem Frei Caneca, domingo, 22h10

MALÊS, de Antonio Pitanga (Brasil):Um dos atores essenciais do Cinema Novo volta à direção filmando um enredo de Manuela Dias, que recria a Bahia do século XIX, em meados de 1830. Na ocasião, uma rebelião começou a ser arquitetada por africanos muçulmanos, chamados de malês. A revolta se passa no final do Ramadã, mês do calendário islâmico em que o jejum é uma forma de celebrar Alá. Após o fracasso da revolta, os manifestantes foram duramente punidos e a repressão contra as populações pretas no Brasil aumentou. DEstaque para Rodrigo Odé no elenco. Onde: Reserva Cultural 1, dia 28, 21h40

DEMBA, de Mamdou Dia (Senegal): Apesar do clima espectral dessa narrativa, a suavidade reina sobre um painel de afetos familiares mesclado a sombras políticas de chagas coloniais. Na trama, com elementos fantasmagóricos, Demba (Ben Mahmoud Mbow) está às vias de se aposentar e busca mudar sua rotina, a fim de cicatrizar a dor da morte da mulher com que viveu por anos a fio. Mas a necessidade de reinventar sua relação com seu filho vai trazer fantasmas à tona. Onde: Cinesystem Frei Caneca, sexta, 13h

A PRISIONEIRA DE BORDEAUX ("La Prisonnière De Bordeaux"), de Patricia Mazuy (França): Ensaio sobre alteridade no bastidor do universo carcerário. Duas mulheres de classes sociais diferentes, Mina (Hafsia Herzi) e Alma (Isabelle Huppert), formam uma aliança conforme visitam seus companheiros na prisão. Onde: Cinesesc, dia 22, 17h

BARBA ENSOPADA DE SANGUE, de Aly Muritiba (Brasil): Gabriel (Gabriel Leone) parte para a praia da Armação, após a morte de seu pai, em busca de suas origens. O que ele acaba encontrando é uma trama complexa em torno da figura misteriosa do avô numa comunidade que tenta esconder acontecimentos do passado. Onde: Cinesesc, dia 24, 20h20

OS VISLUMBRES ("Los Destellos"), de Pilar Palomero (Espanha): A atuação devastadora de Patricia López Arnaiz foi coroada com o prêmio de melhor interpretação no Festival de San Sebastián, onde o longa esteve na disputa oficial da Concha de Ouro. Sua trama se passa num ambiente rural onde a vida de Isabel (papel de Arnaiz) toma um rumo inesperado no dia em que sua filha Madalen pede para que ela faça visitas regulares a seu ex-marido, o escritor Ramón (Antonio de la Torre, esplendoroso), que padece com uma doença terminal. Os dois viveram um bom casamento, mas isso foi há 15 anos. No reencontro, fantasmas do passado hão de rondar esse ex-casal. Onde: Cinesystem Frei Caneca 2, no dia 20, às 17h

PEQUENAS COISAS COMO ESTAS ("Small Things Like These"), de Tim Mielants (Irlanda): Atração de abertura da Berlinale, onde ganhou o prêmio Melhor Coadjuvante, dado a Emily Watson, pelo papel de uma tenebrosa freira. Seu protagonista, Cillian Murphy, brilha no papel de Bill Furlong, chefe de um entreposto de carvão que se dá conta de segredos de sua comunidade, envolvendo uma atitude dominadora da Igreja envolvendo adolescentes grávidas. Onde: Kinoplex Itaim 1, hoje, às 20h50

MADELEINE EM PARIS, de Liliane Mutti (Brasil): Como um brasileiro queer, andrógino, filho de santo no candomblé, imigrante de Santo Amaro da Purificação na Europa reúne, há 23 anos, mais de 60 mil pessoas dançando aos sons dos atabaques pelas ruas parisienses? Esse ritual, a Lavagem da Madeleine, que lava as escadarias da igreja francesa, é entrelaçado à vida do seu criador, o dançarino do cabaré Paradis Latin, Robertinho Chaves. Em busca da própria identidade na diáspora afro-brasileira de Paris, ele atravessar a fronteira do masculino e do feminino, entre o sagrado e o profano. Onde: Espaço Augusta 2, hoje, às 19h30

THE SURFER, de Lorcan Finnegan (Austrália/ Irlanda): Um Nicolas Cage possuído se empenha neste thriller enervante. É a saga de um homem fracassado em vários aspectos de sua vida, que sonha surfar na Austrália de sua infância. Mas um grupo de valentões vai impedi-lo. Onde: Cinemateca Espaço Petrobrás, dia 20, 22h

UMA TERRA DEIXADA PARA TRÁS ("Nei Sha"), de Yang Yishu (China): Conhecida pelos longas "Who Is Haoran" (2006) e "One Summer" (2014), a realizadora do tocante "Lush Reeds" (2018) regressa às telas com um drama filmado numa pequena ilha formada pelo acúmulo de areias flutuantes do rio Yangtze, onde seu protagonista, Tang administra uma fazenda orgânica. Todos esses anos de trabalho, no entanto, fizeram com que ele lidasse frequentemente com dificuldades e fracassos. Paralelamente uma sofrida mãe, que vive reclusa nas montanhas, sai do isolamento para passar alguns dias com a filha, Xiao Yu, que trabalha nessa mesma propriedade. Juntas, essas pessoas vão viver uma ciranda afetiva. Onde: Instituto Moreira Salles, dia 26, 21h